As vacinas contra o rotavírus (I)

Silas A. Rosa

Publicada em 04/12/2012 às 07:22:00

Não se pode negar os avanços sócio-econômicos observados em nosso país nos últimos trinta anos, depois da sua redemocratização. Os indicadores econômicos refletem isto: melhora na renda média das pessoas, nos índices de emprego, na escolaridade, entre outros. Porém, nada reflete melhor esta evolução que os indicadores da saúde, como o aumento na esperança de vida da população em geral e a diminuição do coeficiente de mortalidade infantil, que é o número de crianças que, de cada 1000 que nascem a cada ano, morrem antes de completar um ano de vida. Estes indicadores, que numa primeira e singela visão pode parecer refletirem apenas a melhora na assistência médica, estão profundamente ligados às condições econômicas, das quais a própria assistência médica é apenas mais um indicador.

De vez em quando faço um exercício de reflexão e volto no tempo. Lembro-me de 40 anos atrás quando estava concluindo o meu curso de Medicina na Universidade de São Paulo e era interno no complexo do Hospital das Clínicas daquela cidade. Duas imagens sempre me ocorrem quando comparo o passado daquela época com o presente e que respaldam a melhoria que expus no primeiro parágrafo. A primeira delas era o “Postão”. Um edifício abandonado foi improvisado, no final da década de 60, para ser utilizado pelo Departamento de Pediatria da Faculdade como uma ala de internação para reidratação de crianças, tal era o número das que chegavam ao Pronto Socorro de Pediatria com grave desidratação e cuja única esperança de vida residia numa hidratação venosa imediata. A causa desta desidratação era quase sempre a mesma: uma diarréia aguda. Mais tarde, quando passei a atuar nos hospitais particulares da capital paulista e também na minha cidadezinha do interior observei que nestes hospitais não era diferente: a maioria dos leitos de Pediatria era ocupada em decorrência da diarréia, que era, em uma outra visão desta problemática, a principal causa da mortalidade infantil. Este índice era superior a 100 em muitas cidades nordestinas, isto é, mais de 10% das crianças morriam antes de atingir um ano de vida.

Há oito anos atrás eu era plantonista no Pronto Socorro Infantil de Porto Velho e já vivia uma situação muito diferente, mesmo considerando que Porto Velho estava e está muito aquém da média das cidades brasileiras. Observava que a maioria das crianças que chegavam ao PSI vinha por problemas respiratórios, malária ou acidentes. A importância nosológica da diarréia já tinha diminuído muito, não só na frequência com que ocorria mas também na gravidade que representava. A diarréia, ocorrendo em uma criança de hoje, geralmente bem nutrida, tem uma importância e uma consequência muito menores do que a mesma doença quando ocorria nas crianças desnutridas do passado, que habitavam o agreste nordestino ou a periferia das cidades como São Paulo e Pereira Barreto. Eu sempre repito para os meus alunos das Faculdades de Medicina o que ouvi dezenas de vezes dos meus professores: Desidratação e Desnutrição constituem um binômio e caminham juntas. A principal causa de uma e outra é a miserável condição de vida de uma parcela da população, que, felizmente, está diminuindo. Os freqüentes quadros de diarréia apresentados pelas crianças em más condições de vida espoliavam ainda mais as crianças que já viviam em carência nutricional e redundavam em desnutrição. Em sentido contrário, a desnutrição criava uma labilidade que levava à desidratação seus portadores quando acometidos pela diarréia, como dificilmente acontece com as crianças bem nutridas de hoje. Resumindo: uma criança bem nutrida com diarréia, mesmo com os vômitos que acompanham esta doença no primeiro e segundo dias, resiste e não se desidrata. Já o desnutrido com poucos episódios de diarréia já pode apresentar uma desidratação severa.

A etiologia da doença diarréica é extremamente variada. Pode decorrer de fatores alimentares ou infecciosos e, entre estes últimos podemos ter quadros causados por protozoários, bactérias e vírus. Porém, no primeiro ano de vida as causas mais freqüentes e importantes são os vírus e, entre eles, o rotavírus.

No segundo parágrafo eu me referi a duas imagens que me acometem quando comparo a situação atual com a de 40 anos atrás: uma delas a do Postão, a que já me referi, e a outra a das filas que se formavam no Pronto Socorro de Pediatria quando vivíamos as epidemias de sarampo que aconteciam regularmente a cada poucos anos. De cada 500 crianças atendidas em um plantão de 12 horas, 100 apresentavam sarampo, que não era doença “inocente”, já que se constituía na terceira causa de óbito de crianças em nosso país. Hoje o vírus do sarampo já não circula no Brasil e os poucos casos da doença que eventualmente ocorrem são importados de outros países. No caso do sarampo o grande fator da eliminação do vírus entre nós foi a eficaz aplicação da vacina específica.

Na próxima semana falaremos da vacina contra o rotavírus, introduzida no PNI (Programa Nacional de Imunizaçoes) em 2006 e que já mostra resultado espetacular na prevenção da doença diarreica.

(*) Silas A. Rosa é médico formado na USP em 1972, com título de especialista em Pediatria pela AMB e SBP, mestre em Biologia Experimental, Professor de Pediatria das Faculdades São Lucas e Fimca e representante da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizaçaões) em Rondônia.