Audiência pública debate desocupação de assentamento

No processo de desocupação, que tramita na Justiça Federal, alega- se tratar de uma área da União.

Publicada em 18 de April de 2015 às 18:30:00

Carlos Neves, Juliana Martins, Paulo Ayres e Eláine Maia




Em atendimento a requerimento do deputados Dr. Neidson (PTdoB) , a Assembleia Legislativa realizou audiência pública, na tarde quinta-feira (16), com a finalidade de debater questões relacionadas ao Assentamento Dilma Rousseff, localizado no bairro Novo Horizonte, em Porto Velho, ocupado atualmente por cerca de 600 famílias.

De acordo com exposição de motivos, é iminente o processo de desocupação do assentamento, em atendimento a uma Ação de Reintegração de Posse que tramita na esfera da Justiça Federal, alegando se tratar de uma área pertencente à União.

De acordo com o deputado Dr. Neidson, no decorrer do processo o juiz responsável pelo caso expediu liminar determinando a desocupação da área pelos posseiros, objeto do litígio. Desta forma, o parlamentar enfatizou que a audiência tem por objetivo tutelar os direitos das famílias que ali passaram a residir. “Estamos tentando solucionar esse caso de forma pacífica. Os direitos destas pessoas estão assegurados pela Constituição Federal, nos artigos que tratam dos direitos sociais à educação, saúde, alimentação, trabalho e moradia.

A mesa dos trabalhos da audiência foi composta pelos deputados Dr. Neidson (que presidiu o evento),  Cleiton Roque (PSB), pelo juiz federal Dimis da Costa Braga, pelo superintendente do Patrimônio da União, Antônio Roberto dos Santos, pelo representante dos condomínios, Graciliano Ortega Sanches, pelo líder da Comissão dos Moradores do Bairro Dilma Rousseff, Geraldo Souza, e pelo vice-governador Daniel Pereira (PSB).

Moradores

Representando os moradores do condomínio localizado próximo ao bairro Dilma Rousseff, o advogado Graciliano Ortega afirmou que após análise de documentos constantes nos autos do processo, a titularidade da área ocupada seria do Município de Porto Velho e não da União. Ele também afirmou ter estudado laudo técnico afirmando que o bairro compreende uma Área de Preservação Permanente (APP), o que tornaria inviável a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) no local.

Segundo o advogado, o condomínio residencial do qual é representante está localizado a menos de 500 metros da área ocupada, fato que também contraria laudo técnico apontado nos autos do processo, uma vez que uma ETE deve ser instalada a uma distância de 500 metros de perímetro urbano.

Ortega pediu aos parlamentares que a Assembleia enviei ofício à Prefeitura de Porto Velho para a confirmação da titularidade da terra que hoje compreende o Bairro Dilma Rousseff, alegada no processo como terra pertencente à União.

O líder da Comissão dos Moradores do Bairro Dilma Rousseff, Geraldo Souza, apontou como descaso do dinheiro público obras de ETE que abandonadas nos municípios de Guajará-Mirim e em Espigão do Oeste. Segundo ele, em Guajará, ruínas do que seria uma ETE já estão em meio ao mato há mais de oitos anos.

Já em Espigão, há quatro anos as obras para a estação foram embargadas pelo Ministério Público. “São situações que constam nos autos do processo, mas que estão aí, acontecendo constantemente no Estado”, disse.

Geraldo Souza informou, ainda, que contratou um técnico ambiental para analisar a área ocupada e que este constatou se tratar de uma área inviável para a instalação da ETE. De acordo com o parecer do técnico ambientalista Francisco Lino Gomes, a área estaria a menos de 500 metros de perímetro urbano, o que contraria leis ambientais que exigem uma distância superior a 500 metros para a instalação de estações de tratamento de água ou esgoto.

O líder comunitário afirmou não ser contrário à obra e que disse saber que se a Polícia Militar recebeu ordens para retirar as famílias à força, os policiais a cumpririam e inclusive seria autorizados a atirar, caso necessário.

O juiz federal Dimis da Costa Braga rebateu a afirmação do líder comunitário e afirmou que em nenhum momento autorizou policiais a atirar contra qualquer pessoa durante ação de reintegração de posse. “A obrigação da Polícia Militar é mediar, proteger e levar o aspecto do debate. Qualquer medida a ser tomada será executada de forma ordeira e sempre primando por resultados em benefício da população. A mim, cabe o julgamento do mérito da posse e não autorizar o uso da violência” destacou o juiz.

Geraldo Souza apresentou, ainda, Termo de Cessão Provisória de Uso Gratuito, assinado entre a União e o Estado de Rondônia. Porém, segundo ele, o termo foi assinado quando já havia famílias morando no local. Souza informou que em 2013 procurou o governador Confúcio Moura e foi atendido por técnicos que se comprometeram em resolver a situação de, na época, 50 famílias já moradoras do Bairro Dilma Rousseff. “Mas ninguém apareceu, ninguém nos procurou e mais famílias foram ocupando o bairro”, acrescentou.

Ele afirmou, ainda, que o secretário Municipal de Obras, Gilson Nazif, atendeu solicitação do vereador de Porto Velho, Jurandir Bengala (PT), e autorizou maquinário da prefeitura executar serviço de abertura de ruas na área invadida. “Se não era para ter gente morando ali, porque então a Prefeitura autorizou que máquinas fossem lá abrir ruas, gastar dinheiro público com o combustível?”, questionou.

Geraldo Souza, mais uma vez, afirmou que as famílias não são contra a construção da ETE e que não cabe a eles decidir se é realmente viável ou não a execução das obras. “Apenas não queremos ir pra rua, pois ninguém tem pra onde ir”, detalhou.

A representante do Movimento União por Moradia, Rosália Oliveira, apresentou proposta para, segundo ela, solucionar o problema dos moradores do Bairro Dilma Rousseff. Rosália sugeriu que o governo do Estado, com o apoio dos deputados estaduais, adquira um terreno de igual extensão para a construção de casas, que a Prefeitura de Porto Velho conceda o material de construção e que a Caerd execute o projeto. As casas, segundo a proposta, seriam construídas pelos próprios moradores em sistema de mutirão.

Atuação militar
Os tenentes da Polícia Militar Henrique e Marcelo foram nomeados pelo Governo para atuar na mediação da reintegração de posse da área. Eles afirmaram que a ação não é só de resolver conflitos entre as partes, mas sim colocar em prática um sistema mais amplo de negociação. Apresentaram o plano de trabalho que tem sido utilizado até agora, com objetivo, meta, ação e prazo para resolução do problema sem a utilização de violência.

Os militares relataram que a área foi destinada, em 2010, à instalação de uma estação de tratamento de esgoto. Em 2012 teve inicio a invasão e, no mesmo ano, as poucas famílias foram retiradas. “Em fevereiro de 2013, houve nova invasão, que são essas famílias que se encontram no local até hoje. Inicialmente eram 130 barracos. Hoje esse número é bem maior”, disseram.

Os militares relataram que já foram realizadas várias reuniões com os movimentos sociais para chegar a um consenso. Apesar disso, aguardam um relatório oficial da Secretaria de Ação Social (Seas) com dados de quantas pessoas realmente habitam o local e o estado de vulnerabilidade de cada família.

Patrimônio da União
Na seqüência da audiência pública, o chefe da Superintendência de Patrimônio da União (SPU), Antônio Alberto dos Santos, esclareceu que em 1980 foi feita a demarcação da cidade de Porto Velho, registrando-se uma área de 8.500 hectares, determinando desta forma o perímetro urbano da capital. Deste total, segundo ele, foi excluída da doação da União uma área correspondente a 1.499 hectares, permanecendo desta forma como imóvel federal.

Declarou chefe da SPU que em seguida foi constituído um grupo de trabalho para tratar da gestão de doações de área, que contou com a participação de órgãos federais e estaduais, além de movimentos sociais. Posteriormente, ele enfatizou que o Governo Estadual oficializou interesse em construir uma Estação de Tratamento de Esgoto, dentro de um Plano de Saneamento Básico, sendo feita então uma concessão provisória, aguardando a conclusão da obra, para então o Governo Federal efetivar a doação definitiva.

Para Antônio dos Santos, como ocorreu a ocupação da área, houve a necessidade de ser ajuizada a ação. “A União tem tratado desta questão com base no amplo diálogo, mas disse apoiar a iniciativa do Governo Estadual em construir a Estação de Tratamento de Esgoto, por significar garantia de saúde, favorecido pelo saneamento básico”, encerrou.

Governo estadual

O vice-governador Daniel Pereira, depois de apresentar vídeo sobre a falta de saneamento básico de Porto Velho, disse que não quer prejudicar pessoas que não têm onde morar, mas deixou claro que o local está destinado à construção da estação de tratamento, pois é a única área que apresenta condições para tal.

Ao lembrar que já foi despejado nos anos 1985 e 1989, no município de Curumbiara, e que em 2002 conseguiu evitar despejos de pessoas em Porto Velho, Daniel Pereira assegurou que sempre defendeu as causa sociais e que, enquanto foi deputado estadual, pautou seu trabalho nesse ponto. Porém, deixou claro que o litígio da área não foi provocado pela atual administração do Estado. Por conta disso, elogiou a postura dos tenentes Henrique e Marcelo em tentar intermediar o conflito sem maiores problemas sociais.

O vice-governador, com a exibição do vídeo, apresentou as notícias que tratam da falta de saneamento básico da capital, que provocam doenças e causam mortes, principalmente de crianças. Com gráficos, Daniel Pereira demonstrou que Porto Velho conta apenas com 2% de esgotos coletados e 0% de esgoto tratado. Além disso, explicou que o esgoto de Porto Velho está sendo jogado na estação de tratamento de água, no rio madeira.

Sobre o projeto da estação de tratamento, Daniel Pereira informou que já há recursos disponíveis na ordem de R$ 100 milhões na Caixa Econômica Federal com a contrapartida de R$ 400 milhões. “Se tivesse sido construído em 2007/2008, daria para tratar 100% do esgoto de Porto Velho, mas hoje, estima-se, dará para tratar apenas 40% do esgoto da capital. Desculpem a minha sinceridade, mas o local está destinado à estação de tratamento. No entanto, há necessidade da mediação para resolver a questão. Porém, quem levou essa alternativa ao juiz Dimis Braga foi o Governo que defende o social”, asseverou.

Daniel Pereira se comprometeu em adquirir o terreno para recolocar as pessoas. Pediu apoio dos deputados com emendas para a aquisição das moradias, contemplando todos com casas populares. Assegurou que o governo do Estado, assim como a Caerd, está pronto para resolver a questão na melhor forma possível.

A presidente da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd), Iacira Terezinha Rodrigues Azamor, afirmou que a empresa não detém a concessão da ETE de Guajará-Mirim, citada como abandonada pelo líder comunitário Geraldo Souza. Segundo a presidente, a Prefeitura de Guajará tem um débito de R$ 8 milhões com a Caerd. A presidente informou que recebeu ofício do Governo Federal, que cita o prazo para até o dia 30 de junho para a instalação da ETE Sul, em Porto Velho. “Caso contrário o recurso terá que ser devolvido para a União”, alertou.

Iacira rebateu as informações do líder comunitário e apresentou laudos e certidões técnicas que afirmam que os 39 hectares da área ocupada apresentam total viabilidade para a instalação da ETE e chamou de irresponsável a afirmação de que se trata de área inviável. A presidente da Caerd pediu para a engenheira da companhia explicar sobre a estrutura física da obra a ser construída e desta forma demonstrar que a construção se diferencia das estações de tratamento de esgoto citadas pelo líder comunitário.

“Trata-se de uma ETE fechada, de concreto armado, sem espelho d’água e que não oferece riscos ambientais e se ajusta perfeitamente a regiões urbanas. Esta obra passou por estudo de concepção e foi aprovada por órgãos de controle e profissionais extremamente capacitados”, destacou Iacira.

Judiciário

O juiz federal Dimis da Costa Braga, que concedeu a liminar de reintegração de possa da área, parabenizou a Assembleia Legislativa por debater tema tão importante para a sociedade e convocar todos os envolvidos. Explicou que apesar de ter concedido a liminar em 2013, nunca mandou a Polícia retirar a força as famílias da área.

“O Estado busca viabilizar a instalação do tratamento de água e centenas de pessoas querem uma moradia. O impasse está instalado, mas o que for determinado pela Justiça deve ser cumprido. Temos que discutir detalhadamente todos os lados deste conflito, de forma que ninguém saia prejudicado”, frisou.

Concluiu o magistrado que a determinação judicial será cumprida com absoluta ordem à dignidade humana e sugeriu que os moradores busquem junto ao Governo resposta sobre um espaço para a moradia.

Ao final da audiência, o deputado Dr. Neidson destacou que existe a possibilidade de a Assembleia Legislativa ingressar com ação anulativa quanto à destinação da área do Assentamento Dilma Rousseff para a construção da Estação de Tratamento de Esgoto.