Colunista de O Globo compara assassina vilhenense a personagem de Tarantino

Garota de 18 anos também foi destaque na revista IstoÉ

Publicada em 11 de janeiro de 2016 às 11:21:00

Ainda repercute em todo o país o crime bizarro cometido pela jovem Vania Basílio Rocha em Vilhena. A garota, que matou um ex-namorado durante a relação sexual, foi assunto dos principais veículos de comunicação do Brasil. 

Na útima edição da revista IstoÉ, a vilhenense foi chamada de “Viúva Negra” (confira aqui) e, no jornal o Globo, mereceu citação na coluna, escrita pela editora do caderno “Ela”, Ana Cristina Reis. Leia abaixo, na íntegra.

Teatro Spaghetti

Tarantino virou um adjetivo

 

Um vestido de verão, um cortador de legumes, um abajur. Roupa, móvel, utensílio de cozinha, enfeite... Nunca comprei nada de cor amarela. É mais que antipatia, é ojeriza. O famoso “gosto não se discute”. Por isso muito me surpreende que a cena mais impactante para mim do novo filme do Tarantino seja esta: Samuel L. Jackson em pé na neve, braços levantados, aparecendo o forro amarelo da capa preta e comprida.

Intenso, violento, “agudo até a estridência”, segundo meu “Dicionário de Símbolos”, o amarelo é a mais quente, a mais expansiva, a mais ardente, e também a mais moribunda das cores — a pele da terra e a nossa ficam amareladas quando a morte se aproxima.

Amplo e cegante, ele transborda. Mas estou descrevendo sensações. Simbolicamente, o amarelo é a cor do poder e do sagrado — basta dar uma espiada nas vestes dos padres e nos adereços dos uniformes militares.

A capa de Samuel L. Jackson, elegante, dramática e inesquecível, é um pouco como o filme “Os oito odiados”, que parece um faroeste falado. É um teatro spaghetti com um enredo universal, apesar de disfarçado: a divisão negro/branco e americano/mexicano poderia ser gaúcho/nordestino, milanês/calabrês ou Capuleto/Montecchio. Julgar o que é o bem e o que é o mal depende da justiça escolhida — a do xerife, a divina e a pessoal. “Os oito odiados” não é um filme com uma intenção cristã, ao estilo “a moral da história é...”, mas um atraente retrato do que é capaz uma cabeça criativa.

“Não gosto quando você complica”, diz minha mãe sempre que tento filosofar, então, vamos aos fatos.

Duração: o filme demora. Vá alimentado, porque a pipoca anda horrível (nosso milho está ruim ou é efeito da crise?).

A música: espetacular. Saudades do tempo em que era fácil comprar CD com trilha sonora. Mas o que não tem preço é o tema da abertura, de Ennio Morricone, (sim, ele está vivo, com 87 anos). Um astro que não precisa ou precisou de nome estranho, roupa esquisita, “atitude” ou paparazzi para ser o máximo. Um homem casado com a mesma pessoa há 60 anos e que batizou os filhos com nomes comuns (Andrea, Alessandra, Giovanni e Marco). Dá para acreditar?

Atores: tem o Tim Roth, um feioso hipnotizante como só os ingleses conseguem ser, e Walton Goggins, o convincente americano que faz o xerife. Mas “Os oito odiados” é Samuel L. Jackson e sua capa de forro amarelo. Aquela voz, aqueles olhos, a elegância.

Se tivesse que resumir o estilo: faroeste na neve, ou vamos ser sinceros, matança com humor.

Companhia: não dá para ir com alguém que vai se espantar se você rir já na primeira das muitas cenas sanguentas. Eu tive sorte: fui acompanhada de um homem inteligente.

Frigir dos ovos: Tarantino virou sinônimo da combinação chocante-humor negro-kitsch. “Games of Thrones”: Tarantino com dragões alados. “Breaking Bad”: Tarantino social.

Um exemplo Tarantino da vida real aconteceu recentemente em Rondônia. Mocinha acordou com vontade de matar. A primeira pessoa que encontrou foi uma senhorinha. “Por compaixão, resolveu poupar a anciã”, dizia o recorte de jornal. Em seguida, ligou para um ex-namorado, pedindo para se encontrarem, mas ele se recusou. Lembrou-se então de um conhecido, a quem tentou atrair com proposta de estripulias. Ele, com o vigor recém-saído da adolescência, topou. E se empenhou. Lá estava com os lábios ocupados, concentrado em dar prazer antes de receber, quando a jovem travou com as pernas o pescoço do rapaz, pegou uma faca que “carregava consigo” e matou o mancebo com golpes no pescoço e no abdômen.

Depois dizem que cinema não é cultura. Antes de minha fase tarantinesca, eu não teria adjetivo para classificar alguém que prefere matança a sexo oral.

Folha do Sul