Deu no Jornal O Estado de São Paulo: Governador de Rondônia prometeu contratos em troca de financiamento de campanha, diz MPF

Segundo a Procuradoria da República, “deixou-se, nesse momento, de pedir a prisão temporária de Confúcio Moura.”

Publicada em 28 de November de 2014 às 07:28:00

Por Andreza Matais e Fausto Macedo/Jornal O Estado de S. Paulo

O governador de Rondônia, Confúcio Moura (PMDB), loteou na campanha de 2010 os futuros contratos do seu governo em troca de apoio financeiro à sua candidatura, segundo o Ministério Público Federal.

O acordo previa, inclusive, que o dinheiro seria devolvido aos empresários caso, se eleito, a promessa não fosse cumprida. Na semana passada, o governador foi levado à Polícia Federal para depor nos autos da Operação Plateia, que investiga fraudes e desvios de recursos públicos em Rondônia.

Em representação à Justiça pela quebra do sigilo fiscal e bancário de Confúcio Moura, o Ministério Público Federal confirmou as investigações da PF que apontam o peemedebista como “chefe maior” do esquema criminoso que teria desviado R$ 57 milhões dos cofres públicos do Estado.

O pedido de afastamento do sigilo do governador foi apresentado pela vice-procuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho.

A prisão temporária de Confúcio Moura foi pedida pela PF, mas o Ministério Público entendeu que isso provocaria “gravame (prejuízo) excessivo à administração do Estado de Rondônia”.

Por isso, segundo a Procuradoria da República, “deixou-se, nesse momento, de pedir a prisão temporária de Confúcio Moura.”

O Ministério Público Federal assinala que “a investigação descortinou grupo criminoso responsável pela prática de crimes graves relacionados às contratações públicas do Estado de Rondônia, cujo prejuízo chega a quase R$ 60 milhões, conforme Notas Técnicas da Controladoria-Geral da União”.

Ela Wiecko anota que “restou demonstrado que Confúcio Moura, antes de assumir a função, mas em razão dela, solicitou a Rômulo de Oliveira Gonçalves a quantia indevida de R$ 200 mil, praticando, assim, o crime de corrupção passiva previsto no artigo 317 do Código Penal”.

Segundo a investigação, o esquema era tão agressivo que auxiliares do governador obrigaram o empresário Julio Cesar Fernandes Martins Bonache a pular no Rio Candeias à noite. Nessas condições, o empresário foi avisado de que teria que desistir de um contrato com o governo estadual para dar lugar a uma outra empresa do esquema.

O cunhado do governador, Francisco de Assis Moreira de Oliveira, o Assis, participou da ameaça no rio, confirmada por cinco testemunhas. Ele é classificado como “braço direito” do governador em documento do Ministério Público Federal.

O empresário contou à PF que foi convidado para uma conversa pelo secretário adjunto da Secretaria de Finanças de Rondônia, Wagner Luíz de Sousa. Ao chegar na marina, em Candeias do Jamari, o secretário e o cunhado do governador o aguardavam. Segundo o empresário, alguns seguranças do secretário e do cunhado de Confúcio Moura estavam por perto. Eles seguiram até o rio Preto. “Lá, os dois solicitaram ao empresário que o mesmo colocasse uma bermuda e colete que tinha no interior da lancha e pulasse no rio”, aponta a Procuradoria.

Assis e Wagner também pularam na água. “Assis disse que tinha um compromisso de campanha com Saíta (fornecedora de alimento ao Estado ) e precisavam, para acabar com a confusão, que o depoente abrisse mão de um de seus contratos.”


A empresa de Bonache desistiu do contrato depois da ameaça e a Nutrimais, que doou R$ 500 mil para a campanha do governador, assumiu o fornecimento de alimentação para hospitais no Estado, afirma a Procuradoria.

Licitações. Para a Procuradoria não há dúvidas de que o governador cumpriu sua promessa de campanha de atender aos seus financiadores com contratos. “Após ser diplomado no cargo de governador, o acusado [Confúcio Moura] não só iniciou o cumprimento das promessas feitas na campanha, como também passou a realizar novos acordos com empresários, com o fim de obter vantagem indevida. Nesses ajustes feitos durante o mandato, a propina paga pelos empresários serviria para saldar as dívidas ainda remanescentes da campanha, bem como ‘fazer caixa’ para os gastos de sua futura candidatura à reeleição.”

O Ministério Público Federal sustenta, ainda, que “como meio de tornar o negócio atrativo para os empresários, as contratações públicas são efetivadas por preços superfaturados e há pagamentos por serviços que não foram efetivamente prestados”.

“Assim, para os empresários o negócio é bastante vantajoso.”

Achaque. O governador teria, inclusive, cobrado metade dos lucros que seriam auferidos por uma empresa que tem contratos com o governo, sob a alegação de que precisava saldar dívidas de campanha. Conforme as investigações, “atendendo ao pedido do governador, o sócio oculto da empresa repassou a Assis (cunhado do peemedebista) 12 cheques, entre março e setembro de 2011, no valor total de R$ 917.163,87.”

A quebra do sigilo dos dados bancários da empresa comprova que parte dos cheques repassados ao cunhado do governador foi utilizada para saldar dívidas de campanha, segundo a Procuradoria.

O Ministério Público Federal afirma que o governador Confúcio Moura “lidera o grupo responsável por fraudar as contratações públicas no Estado, direcionando-as a determinadas empresas, com o objetivo de receber vantagem indevida.”

A Polícia Federal agrupou os fatos criminosos em 23 situações distintas, “com as evidências que comprovam a prática dos crimes e individualização das condutas”.

A Justiça autorizou a condução coercitiva de Moura – quando a pessoa presta depoimento e é liberada.

Ao todo a Procuradoria aponta 163 investigados, assim divididos:

a) 7 articuladores: responsáveis por negociar com os empresários o valor
da vantagem indevida a ser paga por estes para serem beneficiados com
contratações; por contactar os servidores públicos competentes para que
pratiquem os atos administrativos necessários à efetivação das fraudes e
por recolher as vantagens indevidas pagas pelos empresários.

b) 76 empresários: responsáveis por pagar propina aos articuladores
relativas a contratos administrativos celebrados com o Poder Executivo
estadual.

c) 80 servidores públicos: responsáveis por praticar os atos
administrativos necessários para fraudar procedimentos licitatórios e
contratações públicas e para permitir o pagamento por serviços não
prestados ou superfaturados, agindo de acordo com o direcionamento dado pelos articuladores.

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR DE RONDÔNIA CONFÚCIO MOURA (PMDB)

Em nota, a assessoria do governador Confúcio Moura esclareceu.

“Em junho de 2011, cinco meses após assumir o cargo, o governador Confúcio Moura solicitou ajuda aos dirigentes do Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas e Tribunal de Justiça de Rondônia, para poder governar o Estado, em virtude dele estar loteado por grupos suspeitos de direcionarem licitações de obras públicas.

Na ocasião, o então procurador-geral do Estado, Heverton Aguiar, prometeu tomar providências, passando então a informá-lo que tomasse cuidado com atitude de assessores mais próximos. Quando iniciou a Operação Termópilas, o governador teve então a confirmação de que um servidor que dirigia o seu carro era um dos envolvidos no suposto esquema.

Com o desdobramento dessa operação e a deflagração da Operação Plateias, o governador foi levado coercitivamente à sede da PF, em Porto Velho, onde por cinco horas prestou todos os esclarecimentos do que sabia a respeito do loteamento do Estado. Disse que, se já era cuidadoso com a nomeação de assessores, no segundo mandato passará a ser mais ainda. E ainda: ‘A população que me elegeu pode ficar tranquilo porque combaterei com todas as forças qualquer prenúncio de corrupção na administração pública, embora eu não possa responder por deslizes de terceiros, em que pesem ter a responsabilidade de governar o Estado’.

Confúcio Moura calcula que, dos mais de cem citados no inquérito da PF, no máximo sete a dez serão processados judicialmente. ‘Dos demais, inclusive pessoas detidas, não há comprovação das denúncias’.”