FECHA-SE O CERCO - A prisão de um motorista e o sumiço de um militar aumentam as evidências de compra de votos na última eleição

Publicada em 00/00/0000 às 17:14:00

 Uma guerra política sacode Rondônia e cria situações "que parecem ter saído de uma película cinematográfica". A comparação foi feita por um juiz federal integrante da Corte do Tribunal Regional Eleitoral que cassou o mandato do senador Expedito Júnior (PR-RO)). A citação ao cinema remete-se às artimanhas criadas para tentar influenciar os depoimentos de testemunhas contra Expedito Júnior e que revelam ligações perigosas entre políticos e criminosos. O caso da cassação do senador avança. No fim de abril, o procurador federal Reginaldo Trindade pediu a transferência para o presídio federal de Catanduvas, no Paraná, do motorista Agenor Vitorino Carvalho. Também conhecido como "Japa", ele foi preso no dia 20 de abril, pela Polícia Federal sob acusação de tentar coagir e corromper as testemunhas que admitiram ter vendido o voto nas últimas eleições. Japa continua no presídio Urso Branco, em Porto Velho.

O motorista é a mais recente peça do quebra-cabeça que a PF vem montando desde outubro de 2006, após as eleições. O motorista, que tem uma longa ficha criminal que inclui tráfico de drogas e crimes contra a vida, é acusado de assediar, tentar corromper e ameaçar de morte um grupo de cinco testemunhas contra um esquema de compra de votos que teria beneficiado o governador Ivo Cassol (PPS), o senador Expedito Júnior, a suplente de deputada federal Val Ferreira, esposa de Expedito e também do PPS, e o candidato a deputado estadual Zé Antônio (PSDB).

O esquema de compra de votos foi investigado pela Polícia Federal, na Operação Garoupa, realizada no fim do ano passado. Houve a confirmação de que 958 funcionários da empresa Rocha Segurança e Vigilância Ltda, teriam recebido depósitos bancários de 100 reais dias antes das eleições. A justificativa dos depósitos, feita pela diretoria da Rocha, propriedade do irmão de Expedito Júnior, seria a de que os vigilantes iriam trabalhar na campanha política como "formiguinhas" (como se chama, em Rondônia, quem distribui santinhos de canditados).

A denúncia, feita pelos vigilantes, e o indiciamento dos quatros políticos pela PF resultaram em uma ação do Ministério Público Eleitoral, outra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e uma terceira no Superior Tribunal Eleitoral (STJ). Consideranda como o mais vergonhoso caso de crime eleitoral ocorrido em Rondônia nos últimos pleitos, o esquema de compra de votos resultou, além da cassação por unanimidade do senador Expedito Júnior pela Corte de Julgamento do TRE, em pedido do Ministério Público Eleitoral, Reginaldo Trindade, para que o governador Ivo Cassol também tenha o diploma cassado.

Expedito Júnior entrou com embargo declaratório para tentar se manter no Senado, enquanto a ação é julgada pelo TSE. Segundo o senador, as denúncias não passam de "armação" criada pelo empresário e também candidato ao Senado por Rondônia, Acir Gurgacz (PDT), que não teria se conformado em perder as eleições por uma diferença de 40 mil votos. Rondônia tem cerca de 1 milhão de eleitores.

A teoria da armação foi defendida também pelo governador Ivo Cassol. Ela é fundamentada por mais uma denúncia, esta apresentada no fim de fevereiro por mais duas pessoas com supostas ligações com as cinco testemunhas de compra de votos.

É neste ponto que Japa entra na história. Ao lado do irmão, Vanderson Carvalho, o motorista procurou a Polícia Civil do estado para dizer que as cinco testemunhas haviam recebido dinheiro para fazer as denúncias. O vigilante Alan Giorgio teria feito a mesma acusação á PF em janeiro deste ano, mas acabou preso após cair em contradição. Giorgio saiu da cadeira com auxílio de cinco advogados ligados ao senador Expedito Júnior.

Segundo a PF, Japa é o pivô de uma série de ameaças contra as cinco testemunhas, que culminaram com tiroteio e a inclusão dos cinco vigilantes no Programa Nacional de Proteção à Testemunhas. O motorista acabou preso em razão do inquérito que investiga as ameaças. Com a prisão, iniciou-se um novo capítulo do escândalo. Ainda na sede da PF, Japa e seu irmão foram atendidos por um dos advogados, Alcir Alves, que presta serviços a Cassol. Vanderson, o irmão, acabou liberado. No depoimento, Japa negou qualquer contato com o governador, com o senador Expedito Júnior ou outro político investigado.

No presídio, o motorista nem sequer ocupou uma das celas comuns. Recebeu tratamento vip da direção da unidade prisional, foi acomodado em uma das celas individuais da enfermaria e atendido pessoalmente por Jeremias Pereira Barbosa, um dos assessores do próprio secretário da Administração Penitenciária, Gilvan Ferro. Barbosa, aliás, é pivô de uma crise entre a Justiça Federal e as autoridades penitenciárias do estado. Motivo: sem qualquer ordem judicial, o assessor retirou o preso da cadeia e o levou, sem escolta policial, à sede da Secretaria da Administração Penitenciária (Seapen), para uma conversa que durou cerca de duas horas, entre as 10 da manhã e o meio dia da segunda-feira, 23 de abril. As regalias e a suposta trama que estava sendo urdida nos gabinetes governamentais foram denunciadas pelo jornal Diário da Amazônia, de propriedade do empresário Acir Gurgacz, a quem os investigados acusam de armação. Em nota oficial, o secretário Ferro disse que a saída de Japa do presídio até a Secretaria de Segurança teve como objetivo a "coleta de depoimento" para o inquérito.

A lista dos fatos escabrosos revelados pela Operação Garoupa é extensa. Entre outros acontecimentos curiosos, segundo a PF, está a criação de um candidato laranja, usado para justificar os pagamentos de 100 reais para supostas "formiguinhas". A idéia era alegar que elas trabalhariam para o candidato Cabo Reis e os pagamentos aparecem na prestação de contas do TRE. O interessante na prestação de contas é não aparecerem gastos com material de campanha, que teoricamente as 958 formiguinhas deveriam entregar nas ruas. O tal Cabo Reis, candidato sem faixa, sem santinhos e sem campanha, gastou, segundo a prestação de contas, mais de 160 mil reais e recebeu apenas 40 votos. A maior parte do dinheiro entrou na conta eleitoral após as eleições, por meio de doações feitas por empresas de grande porte, todas, coincidentemente doadoras das campanhas de Ivo Cassol e Expedito Júnior. O governador não quis comentar as denúncias. O laranja é cabo da Polícia Militar e jamais se candidatou a qualquer cargo, atuou na Casa Militar na equipe de segurança do governador e entrou em hibernação após as denúncias. Para manter o silêncio, ganhou férias, mais licença especial de três meses e, por fim, licença para tratamento médico. Foi transferido para o Primeiro Batalhão da PM, mas até hoje não se apresentou ao comando.