Fim do isolamento do Guaporé só depende da navegação fluvial

Guajará-Mirim não pode dispor da sua maior galinha do ovos de ouro: os rios. Embarcações antigas perderam-se na ferrugem do tempo, abandonadas à beira do rio Mamoré.

Publicada em 24 de January de 2015 às 13:11:00

Texto: Montezuma Cruz


Cipriano: vida na carpintaria

Navegar é preciso. Em tempos de parcerias público-privadas, a exemplo daquela que construirá o Hospital de Emergências de Rondônia (Heuro), o governo estadual encontraria em 2015 facilidades para restabelecer a tradicional via de transporte fluvial na fronteira brasileira com a Bolívia, tirando do isolamento famílias que não têm mais a quem recorrer, em localidades distantes até 800 quilômetros da Capital, Porto Velho.

Empresa enxuta, financiada com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), transportaria gente e safras ao longo dos rios da região do Guaporé. Apoiado pela iniciativa privada, o transporte fluvial tem condições de entrar na pauta governamental.

Desde a falência da extinta Empresa de Navegação de Rondônia (Enaro), que sucedeu aos antigos Serviços de Navegação Madeira e do Guaporé (SNM e SNG), Guajará-Mirim não pode dispor da sua maior galinha do ovos de ouro: os rios. Embarcações antigas perderam-se na ferrugem do tempo, abandonadas à beira do rio Mamoré.

Guajará-Mirim, 40 mil habitantes, um dia teve dois serviços de navegação, situação raríssima na América Latina. Não era luxo, mas pura necessidade, e até hoje é assim.

O mesmo plano estratégico que constrói estradas e vicinais no interior do estado pode incluir o segmento fluvial, fazendo ver ao BNDES que investimentos nesse setor são tão importantes quanto o financiamento de ferrovias, metrô e hidrelétricas em países sul-americanos. O BNDES faz isso há anos.

Pleito antigo

Coincidentemente a esse pleito antigo da Associação Comercial, da Prefeitura e da Câmara Municipal de Guajará-Mirim, na próxima semana o barco da Secretaria Estadual de Assistência Social transportará para a região do Baixo Madeira diversas autoridades governamentais, do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos policiais , a fim de atender famílias totalmente dependentes da maioria dos serviços públicos.


Edvá Bazílio (À DIREITA)  recebe melancias vindas de Surpresa
Do simples escoamento de frutas à pessoa doente e carente de atendimento hospitalar, a via fluvial é importante. Basta olhar para a situação da vila de Surpresa, a 17 horas de barco do porto de Guajará-Mirim. A cada ano perdem-se aproximadamente cinco mil melancias por falta de transporte, queixa-se a direção da Associação dos Moradores de Surpresa.

Na sede da desconhecida Associação dos Canoeiros de Guajará-Mirim o visitante encontra rolos de cabos de aço, sucatas de trilhos da extinta Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e pessoas dispostas a contar histórias. Entre elas, o canoeiro Francisco Maciel do Nascimento, 58 anos, solda ferros das 8h às 18h. Já recuperou pelo menos um dos três antigos barcos pertencentes ao antigo SNG.

Essa entidade ainda consegue reunir meia dúzia de marceneiros e mecânicos de embarcações dispostos a exercer a atividade. Tem pouco mais de 20 sócios, pobríssimos. Um empurrãozinho do governo estadual, outros do governo federal, garantiria a recuperação de velhos barcos à primeira vista condenados.

Na memória

Expostos à ação do tempo no matagal do Bairro do Triângulo repousam esqueletos de embarcações próximos à estação captadora da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia.

Cipriano Pires de Almeida, 72, navegou desde os anos 1960. Lembra até mesmo dos dias das embarcações: “Cinco, dez e 15″. ” Naquele tempo era com a voga” – conta. Voga é um tipo de remador mais próximo da ré do barco. Cipriano acompanhou o funcionamento dos antigos serviços e têm do ambiente antigo de trabalho as melhores recordações. “O povo dependia do barco”, diz.

Para o boliviano Jesus Gongora Azaba, 62, nascido em Exaltación, próximo a Trinidad (no Beni, Amazônia Boliviana), os rios ainda o fazem sonhar. Trabalha desde menino e nunca saiu das proximidades do porto fluvial de Guajará-Mirim. Ali ele reformou barcos e aprendeu a fazer alinhamento de motor. “Mecânica e carpintaria deram certo para mim”.

 

 

 

 

 

 

 

Em 1931 Paulo Saldanha, administrador dos seringais da Guaporé Rubber e da empresa Júlio Muller, criou o Serviço de Navegação do Mamoré e Guaporé, subvencionado pelo governo federal. A empresa atendeu aos moradores entre Vila Bela e Forte Príncipe da Beira, escoando látex e a produção agrícola. Em 1943 essa empresa foi adquirida pelo governo federal, transformando-se no Serviço de Navegação do Guaporé (SNG).

Com o fim do território federal e o início do Estado de Rondônia, nasceu a Empresa de Navegação de Rondônia (Enaro), de curta existência. Era de economia mista, 99% pertencente do capital pertencente ao estado. Ao reconhecer o fim das atividades da Enaro, o Tribunal Regional do Trabalho determinou que o estado respondesse subsidiariamente pelos débitos com seus funcionários.


ANTAQ, O CAMINHO DAS ÁGUAS

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), criada pela Lei n° 10.233, de 5 de junho de 2001, é entidade integrante da administração federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, com personalidade jurídica de direito público, independência administrativa, autonomia financeira e funcional, e mandato fixo de seus dirigentes. Vinculada ao vinculada ao Ministério dos Transportes, ela pode instalar unidades administrativas regionais. Tem por finalidades:

❶ Implementar, em sua esfera de atuação, as políticas formuladas pelo Ministério dos Transportes e pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na Lei nº 10.233, de 2001;

❷ Regular, supervisionar e fiscalizar atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária, exercida por terceiros.

❸ Garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;

❹ Harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias e de entidades delegadas, preservando o interesse público;

❺ Arbitrar conflitos de interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica.


Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Montezuma Cruz /Arquivo pessoal