Juiz Federal suspende contrato de 13 milhões entre índios e empresa estrangeira

O magistrado considerou que a simples leitura do contrato é suficiente para torná-lo nulo.

Publicada em 15/12/2012 às 10:19:00

O juiz federal Wagmar Roberto Silva, da 2ª vara da Seção Judiciária de Rondônia, concedeu, nesta manhã, liminar em favor da União e a Fundação Nacional do Índio determinando a suspensão da execução do contrato nº 473531-11-PV12, no valor de US$ 13 milhões de dólares, pagável em trinta parcelas anuais de US$ 445 mil dólares, celebrado entre a Associação Indígena Awo “Xo” Hwara e a Celestial Green Ventures PLC (empresa de origem irlandesa, com sede em Dublin), bem como proibiu o pagamento e recebimento do valor avençado, inclusive o ingresso e permanência da empresa nas Terras Indígenas Aldeia Lage Novo, Igarapé Lage, Rio Negro-Ocaia e Igarapé Ribeirão, localizadas no Município de Guajará-Mirim, até decisão em contrário.

Nos fundamentos da decisão, o magistrado disse que o contrato mencionado convenciona a compra de créditos de carbono pela empresa, devendo as comunidades indígenas correspondentes preservar a “propriedade”, sob pena de nulidade do contrato, caso não seja possível de constatar o crédito de carbono durante a execução da avença. As comunidades indígenas comprometem-se ainda permitir, com exclusividade, que a empresa possa coletar dados nas respectivas terras para aferição do crédito de carbono esperado, de acordo com metodologias impostas pela empresa.

Sem adentrar na questão da legalidade ou não da compra e venda de créditos de carbono, idéia apresentada durante conferência entre os países signatários do Protocolo de Kyoto (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima) e observadores (não signatários), em Montreal, Canadá, no final de 2005, o Juiz limitou-se ao exame de validade do contrato entabulado entre as partes rés à luz da Constituição Federal e o Estatuto do Índio.

Disse que, considerada a incapacidade civil indígena, os quais são representados pela Funai, o art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 6.001/1973 enuncia hipótese de validação da manifestação de vontade do índio quando o pupilo revelar consciência e conhecimento pleno do ato praticado. Mas ainda sim há uma cláusula de reserva maior, a vontade declarada pelo índio não poderá trazer-lhe prejuízo.

A decisão sustenta que o § 2º do art. 231 da Constituição Federal deve ser interpretado aos moldes do entendimento proferido no acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, referente ao julgamento (de 19/03/2009) da Petição 3388, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Brito, o qual firmou que “a exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não-índios, bem assim com a instalação de equipamentos públicos, a abertura de estradas e outras vias de comunicação, a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, desde que tudo se processe sob a liderança institucional da União, controle do Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas”.

O juiz federal aduziu que é o Congresso Nacional quem tem competência exclusiva para autorizar qualquer pesquisa e lavra dos recursos naturais localizados em terras indígenas (art. 231, § 3º, e art. 49, inciso XVI, ambos da Constituição), porquanto as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são de propriedade da União (art. 20, inciso XI, CF/1988), motivo suficiente para invalidar o contrato em julgamento.

Aliás, juiz disse que a preservação das terras indígenas é cogente na Constituição Federal, podendo o índio e sua comunidade explorá-la para sua subsistência, a não justificar, caso não seja observado, a proteção especial em bem da União, pois tutela constitucional está intimamente relacionada conservação da cultura, dos costumes, das crenças, dos antepassados, das tradições indígenas. “Se as comunidades indígenas resolverem explorar as terras comercialmente, a incorporar atividade produtiva distinta de suas origens, então os valores antropológicos não mais lhes servirão de suporte à tutela constitucional diferenciada em virtude do imperativo condicionante do § 1º do art. 231 (segundo seus usos, costumes e tradições)”, finalizou o juiz.

Em resumo, o magistrado considerou que a simples leitura do contrato é suficiente para torná-lo nulo. Primeiro porque não há manifestação de vontade em razão da relativa incapacidade civil do índio. Segundo porque as terras indígenas não são de propriedade dos índios, mas sim da União, de modo que ninguém pode dispor daquilo que não lhe pertence. Daí a imprescindibilidade da intervenção e anuência da União. E terceiro porque a exploração das terras é exclusiva dos índios, configurando abusiva a cláusula que impede o uso da terra, dos rios e lagos pelos seus ocupantes tradicionais.

As partes rés serão citadas para contestar a ação e o Ministério Público Federal foi intimado para manifestar e adotar as providências que entender cabíveis.

ASCOM/JFRO