Justiça mantém decisão para que 50% dos cargos em comissão do Detran sejam ocupados por funcionários efetivos

Decisão obriga o Detran a exonerar 50% dos ocupantes de cargos comissionados que não sejam servidores efetivos do órgão. CONFIRA ÍNTEGRA.

Publicada em 09 de July de 2014 às 14:31:00

Da reportagem do Tudorondonia

 

Os membros da 1ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Rondônia mantiveram a decisão da juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, Inês Moreira da Costa, que obriga o Detran a exonerar 50% dos ocupantes de cargos comissionados que não sejam servidores efetivos do órgão.

A decisão foi tomada em julgamento de ação cível pública impetrada pelo Ministério Público de Rondônia, que apontou um exagero no número de cargos comissionados no Detran ocupados por pessoas estranhas àquela autarquia. O MP queria a exoneração de 70%, mas a juíza entendeu que 50% seria um percentual mais razoável. O Detran apelou ao Tribunal de Justiça de Rondônia, que manteve a decisão de primeiro grau.

"A regra é o concurso público, o cargo em comissão a efemeridade".

Na decisão de segundo grau, os desembargadores anotaram que os cargos públicos em comissão, porque fazem ingressar no serviço público pessoas estranhas à Administração, devem ser criados de maneira excepcional e especificamente para atender a funções de direção, chefia ou assessoramento, cujo percentual mínimo de ocupação por servidores de carreira previsto na Constituição Federal deve guardar relação com o princípio da proporcionalidade, para que não haja desarrazoada disparidade entre o número de pessoas estranhas à Administração e servidores de carreira.

Com esta decisão, pelo menos a metade dos cargos comissionados no Detran devem ser ocupados por servidores de carreira. A medida abre precedentes para que o mesmo ocorra em outros órgão da administração pública estadual.

ÍNTEGRA DA DECISÃO


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
1ª Câmara Especial

Data de distribuição :06/12/2011
Data de julgamento :03/07/2014


0015884-34.2010.8.22.0001 Apelação
Origem : 00158843420108220001 Porto Velho (1ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia -
DETRAN
Procuradores : Christianne Gonçalves Garcez (OAB/RO 3.697)
Saulo Rogério de Souza (OAB/RO 1.556)
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relator : Desembargador Oudivanil de Marins
Revisor : Desembargador Eurico Montenegro



EMENTA

Apelação. Cargos em comissão. Servidores de carreira. Percentual mínimo. Previsão legal. Ausência. Princípios. Administração pública. Paradigmas legais. Aplicação.

Quando a sentença corresponder à causa de pedir e ao pedido, expostos na inicial, na medida em que forem, um a um, analisados os fundamentos esposados e guardada a correlação entre as partes, não há falar em julgamento extra ou ultra petita.

Os cargos públicos em comissão, porque fazem ingressar no serviço público pessoas estranhas à Administração, devem ser criados de maneira excepcional e especificamente para atender a funções de direção, chefia ou assessoramento, cujo percentual mínimo de ocupação por servidores de carreira previsto na Constituição Federal deve guardar relação com o princípio da proporcionalidade, para que não haja desarrazoada disparidade entre o número de pessoas estranhas à Administração e servidores de carreira.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os desembargadores da 1ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, AFASTAR A QUESTÃO PREJUDICIAL E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.


Os Desembargadores Eurico Montenegro e Renato Mimessi acompanharam o voto do Relator.

Porto Velho, 3 de julho de 2014.



DESEMBARGADOR OUDIVANIL DE MARINS
RELATOR

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
1ª Câmara Especial

Data de distribuição :06/12/2011
Data de julgamento :03/07/2014


0015884-34.2010.8.22.0001 Apelação
Origem : 00158843420108220001 Porto Velho (1ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia -
DETRAN
Procuradores : Christianne Gonçalves Garcez (OAB/RO 3.697)
Saulo Rogério de Souza (OAB/RO 1.556)
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relator : Desembargador Oudivanil de Marins
Revisor : Desembargador Eurico Montenegro



RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível manejada pelo Departamento de Trânsito de Rondônia ¿ DETRAN/RO, contra sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública desta capital, a qual julgou procedente, em parte, o pedido presente à inicial da Ação Civil Pública n. 0015884-34.2010.8.22.0001, consistente na exoneração de 70% dos cargos em comissão de livre nomeação e exoneração atualmente existentes no Departamento Estadual de Trânsito de Rondônia ¿ DETRAN/RO.

Para melhor elucidação, transcrevo os fundamentos e o dispositivo da sentença:


[¿]
É o relatório.

DECIDO.

A lide comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, inciso I, do CPC.
A Constituição Federal, no artigo 37, dispondo sobre concurso público e formas de investidura em cargos ou empregos públicos, preconiza o seguinte:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); (g. n.)
V ¿ as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Consoante a dicção constitucional, a investidura em cargo ou emprego público, em regra, depende de aprovação prévia em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão de livre nomeação e exoneração.
Ainda conforme a Lei Fundamental, impede diferenciar que as funções de confiança devem ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, ao passo que os cargos em comissão, podem ser preenchidos tanto por servidores de carreira quanto serem providos por pessoas estranhas aos quadros da Administração.
Da análise do texto, verifica-se que há expressa limitação no que concerne à impossibilidade de nomear qualquer pessoa para as funções de confiança, pois essas somente podem ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargos efetivos.
No entanto, em relação aos cargos em comissão, a respeito dos percentuais mínimos a serem preenchidos por servidores de carreira, o texto constitucional reclama previsão em lei.
Portanto, o texto constitucional não estabelece um percentual mínimo para provimento de cargos em comissão por servidores de carreira. Contudo, ainda que ausente uma limitação, impõe-se observar os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, aos quais regem quaisquer atos administrativos, inclusive aqueles que visam à investidura em cargos comissionados.
Nesse particular, afigura-se pertinente a ponderação feita pelo min. Ricardo Lewandowiski, no RE n. 579.951-4, in verbis:

[...] não se mostra razoável admitir que uma conveniente interpretação literal dos incisos II e V do artigo 37 da Lei Maior possa contrariar o sentido lógico e teológico do que se contém no caput do referido dispositivo, em flagrante dissonância com a idéia de unidade e harmonização que deve nortear a hermenêutica constitucional.

Com efeito, tem-se que o provimento dos cargos em comissão deve observar o princípio da razoabilidade, visando impor limitações à discricionariedade administrativa, objetivando coibir atos que manifestamente exorbitem os critérios de conveniência e oportunidade.
A pretensão central veiculada nesta demanda, consiste na exoneração de 70% dos cargos em comissão ocupados por pessoas estranhas à Administração, já que não há problema algum em relação aos servidores efetivos preencherem cargos em comissão.
Portanto, no caso dos autos, interessa observar se é desarrazoado o número de cargos em comissão ocupados por pessoas estranhas à administração no âmbito do DETRAN-RO.
José dos Santos Carvalho Filho preleciona que ¿Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis ...¿ (in Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Lumen Juris. p. 36)
Quando da propositura da ação, o autor acostou à inicial os documentos contidos no procedimento interno instaurado pelo órgão ministerial. Interessa destacar, como o próprio autor o fez, que até março/2010 o DETRAN-RO contava com 305 cargos em comissão ocupados por pessoas estranhas à Administração. De um total de 488 cargos em comissão, apenas 183 eram ocupados por servidores vinculados ao Poder Público, o que significa que 62,5% dos cargos em comissão eram ocupados por pessoas sem vínculo algum.
Interessa observar que a situação mudou durante o trâmite processual.
Por ocasião da resposta à inicial, o DETRAN-RO juntou planilha especificando o quantitativo de servidores até agosto/2011 (fl. 31).
Verifica-se a quantidade de 520 cargos em comissão ocupados, sendo que 332 eram ocupados por pessoas estranhas à Administração, o que corresponde a 63,84%.
Posteriormente, até março de 2011 havia ocupação de 522 cargos em comissão, sendo que 290 eram ocupados por pessoas indiferentes à Administração, o que equivale a 55,55%.
Vê-se, portanto, nítida desarrazoabilidade entre a quantidade de cargos em comissão providos por servidores de carreira e os preenchidos por pessoas estranhas à Administração, especialmente quando essas ocupam mais de 60% dos referidos cargos.
No entanto, isso não significa que se deva exonerar 70% dos ocupantes de cargos em comissão que não possuam vínculo.
Diz-se desarrazoado porque um percentual mínimo razoável seria 50%. Com efeito, é plausível que 50% dos cargos em comissão sejam ocupados por servidores de carreira. Menos que isso é desarrazoado, situando-se fora de limites aceitáveis. Assim, tem-se que 50% é um percentual equilibrado, o qual, na ausência de previsão legal, manifesta-se proporcional.
Portanto, não há que se falar em exoneração de 70% dos ocupantes de cargos comissionados sem vínculo, mas sim em tantos quantos bastem para que apenas 50% dos cargos em comissão sejam ocupados por pessoas externas ao quadro da Administração.
No âmbito do Poder Judiciário, em setembro de 2009 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 88 dispondo sobre o preenchimento de cargos em comissão, assim:

Art. 2º Os cargos em comissão estão ligados às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo vedado seu provimento para atribuições diversas.

§2º Para os Estados que ainda não regulamentaram os incisos IV e V do art. 37 da Constituição Federal, pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão deverão ser destinados a servidores das carreiras judiciárias, cabendo aos Tribunais de Justiça encaminharem projetos de lei de regulamentação da matéria, com observância desse percentual.

Por conseguinte, no âmbito do Poder Judiciário estadual, consoante a inteligência do art. 7º, § 1º da Lei 568/2010, pelo menos 50% dos cargos em comissão destinam-se a servidores do quadro. Confira-se:

Art. 7º. Os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, serão exercidos por servidores com formação superior para o exercício de atividade de assessoramento, direção e chefia, ressalvadas as situações constituídas.
§ 1º. Será reservado o percentual de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão aos servidores efetivos do Quadro de Pessoal do Poder Judiciário do Estado de Rondônia.

No âmbito da administração pública federal, a respeito do percentual mínimo para preenchimento de cargos em comissão, impende destacar, também como paradigma, o Decreto nº. 5.497/2005, in verbis:

Art. 1º. Serão ocupados exclusivamente por servidores de carreira os seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS da administração pública federal direta, autárquica e fundacional:
I - setenta e cinco por cento dos cargos em comissão DAS, níveis 1, 2 e 3; e
II - cinquenta por cento dos cargos em comissão DAS, nível 4.
§ 1º. A partir da vigência deste decreto não serão providos cargos em comissão em desacordo com o disposto no caput.
§ 2º. Caberá ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão normatizar, acompanhar e controlar o cumprimento dos percentuais fixados no caput.
§ 3º. Enquanto não for implementado sistema informatizado de controle para essa finalidade, a nomeação de não servidores de carreira para os cargos referidos no caput será precedida de consulta ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 4º. A nomeação de não servidores de carreira somente poderá ser efetivada mediante a comprovação de que o percentual de cargos providos por servidores de carreira, aferido para o conjunto dos órgãos e entidades sujeitos ao disposto no caput, é igual ou superior aos percentuais ali estabelecidos na data da consulta. § 5º. Na hipótese de o cômputo dos percentuais de que tratam os incisos I e II resultar número fracionário de cargos, deverá ser considerado o número inteiro imediatamente superior.
§ 6º. O disposto neste Decreto não afasta a aplicação de normas mais restritivas, inclusive constantes de atos internos do órgão ou entidade, referentes à nomeação de não servidores de carreira para cargos em comissão.

Outrossim, a Lei Orgânica do Distrito Federal preconiza que pelo menos cinquenta por cento dos cargos em comissão devem ser preenchidos por servidores de carreira.
Confira-se:

Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte:
V ¿ as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinquenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Tais paradigmas enunciam que o percentual mínimo aceitável dos cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, de sorte que é inconcebível, porquanto desarrazoado, que mais de 50% dos cargos em comissão do DETRAN-RO sejam ocupados por pessoas estranhas à Administração Pública.
O desiderato constitucional é sem dúvidas prestigiar o acesso aos cargos públicos mediante prévio concurso, de sorte que é medida excepcional o preenchimento de cargos em comissão por pessoas sem vínculo com a administração.
Impõe-se observar, por fim, que os cargos em comissão destinam-se exclusivamente às hipóteses de direção, chefia e assessoramento, de modo que desrespeita o princípio da legalidade, moralidade e impessoalidade nomeações fora dessas dessas situações.


Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA, somente para determinar ao DETRAN-RO que proceda à exoneração dos servidores comissionados não efetivos que excedam o percentual de 50% dos cargos em comissão, possibilitando que, no mínimo, a metade dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores de carreira. Ademais, quando das nomeações aos cargos em comissão, deverá o DETRAN-RO destiná-las apenas às atribuições de chefia, direção e assessoramento. P.R.I. Porto Velho-RO, quinta-feira, 25 de agosto de 2011. Inês Moreira da Costa Juíza de Direito


Irresignado, o Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia maneja o presente apelo calcado nos argumentos que se seguem.

Aduz ser objeto da ACP a exoneração de 70% (setenta por cento) dos cargos comissionados providos por pessoas sem vínculo efetivo. Contudo, sob sua ótica, o MM. Juízo, ao decidir por um percentual mínimo de reserva de tais cargos aos servidores de carreira (50%), excedeu ao pedido, sentenciando de forma extra ou ultra petita.

Assevera que o Juízo sentenciante não deveria ter adentrado na destinação dos cargos, e só se atido ao percentual pugnado na inicial, ou seja, tão somente avaliar se os números apresentados concernentes aos cargos providos por pessoas estranhas à Administração estariam extrapolando ou não a razoabilidade.

Alega, ainda, a ausência de proporcionalidade ou irrazoabilidade no percentual definido na sentença, pois não há legislação estadual específica que determine este ou aquele percentual limitador para provimento de cargos em comissão por servidores sem vínculo efetivo com a administração pública, razão pela qual não estaria o apelante atuando em contrário à legislação ou afrontando de qualquer forma os princípios constitucionais, mas agindo de acordo com os princípios da discricionariedade no provimento de seus cargos, aliado à razoabilidade e proporcionalidade.

Por fim, pugna pela reforma da sentença rogando pela acolhida do pedido de julgamento ultra petita, afastando o direcionamento dos cargos determinados pelo Juízo ou, caso ultrapassado este, que seja reformada no sentido da improcedência do pedido na inicial.

Contrarrazões pela mantença da decisão presente (fls1.272-1.281).

A Procuradoria de Justiça, em parecer lavrado pelo douto Procurador Airton Pedro Marin Filho, manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do apelo (fls. 1.292-1.302).

É o relatório.


VOTO

DESEMBARGADOR OUDIVANIL DE MARINS

O recurso é próprio e tempestivo, razões pelas quais dele conheço.

Trata-se, como dito, de apelação cível interposta pelo Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia ¿ DETRAN/RO contra decisão emanada pelo MM. Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública desta capital, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial na ACP n. 0015884-34.2010.8.22.0001, em que foi determinado que o DETRAN/RO proceda à exoneração dos servidores comissionados não efetivos que excedam o percentual de 50% (cinquenta por cento), possibilitando, assim, que a metade de tais cargos sejam providos por servidores de carreira e nas atribuições de chefia, direção e assessoramento, como determina o comando constitucional.


I. Da Questão Prejudicial de Mérito

O apelante suscita a nulidade por julgamento ora extra, ora ultra petita, ao argumento de que o MM. Juízo de origem extrapolou o pedido inicial ao proferir decisão dissonante daquele, pois, a seu ver, o único objetivo da ação civil pública intentada foi a exoneração de 70% (setenta por cento) dos ocupantes dos cargos em comissão em seu quadro de servidores.

Sobre tal questão, em razão de sua clareza de ideias, lógica jurídica e natureza didática, colho do parecer ministerial suas razões e as adoto para decidir:


[¿] Os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil dão corpo ao princípio da congruência da decisão judicial, segundo o qual deve haver correlação entre a decisão e o pedido. Fredie Didier Junior defende que estes dispositivos legais informam que além da causa de pedir e pedido, a sentença também deve guardar congruência com relação aos sujeitos envolvidos no processo e com os fundamentos de fato da demanda da defesa.

Nessa esteira, decisão ultra petita é a que concede ao demandante (a) mais do que ele pediu; (b) analisa não apenas os fatos essenciais postos pelas partes como também outros fatos essenciais, ou; (c) resolve a demanda em relação aos sujeitos que participaram do processo, mas também em relação a outros sujeitos, não participantes.

Já a decisão extra petita é a que: (a) tem natureza diversa ou concede ao demandante coisa distinta da que foi pedida; (b) leva em consideração fundamento de fato invocado pela parte não suscitado por qualquer das partes, em substituição daqueles que foram efetivamente suscitados, ou; (c) atinge sujeito que não faz parte da relação jurídica processual.

O que diferencia a sentença extra petita da ultra petita, segundo Didier Junior, é que nesta o magistrado analisa o pedido ou fundamento de fato invocado pela parte, ma vai além dele, enquanto naquela (extra petita) não se analisa o pedido ou o fundamento invocado pela parte: analisa-se outro pedido ou outro fundamento, ambos não invocados.

No caso dos autos, verifica-se que na exordial o Ministério público aponta como fundamento, em síntese, a desproporção entre a quantidade de cargos providos por concursos público e aqueles preenchidos mediante cargos comissionados, bem a ilegalidade no provimento de cargos em comissão com funções não inerentes a chefia, direção ou assessoramento, conforme previsão constitucional; e requer seja determinado ao DETRAN que exonere 70% dos cargos em comissão existentes; que elabore e apresente no prazo de 90 (noventa) dias estudo sobre o cronograma para substituição de todos os contratados por livre nomeação, por agentes concursados, ressalvadas as funções que de fato são de chefia, direção e assessoramento; que se abstenha de efetuar novas contratações sem concursos público.

Nos termos da parte dispositiva da sentença, o pedido inicial foi julgado procedente em parte e a magistrada, após analisar os fundamentos invocados pelas partes, determinou ao DETRAN que proceda a exoneração dos servidores comissionados não efetivos que excedam o percentual de 50% dos cargos em comissão, possibilitando que, no mínimo, metade desses cargos sejam ocupados por servidores de carreira e que quando das nomeações aos cargos em comissão, deverá o DETRAN destiná-los apenas às atribuições de chefia, direção e assessoramento.

Como se vê, a sentença corresponde à causa de pedir e pedido expostos na inicial, na medida em que foi analisado o fundamento de que ofende princípios inseridos no art. 37 e incisos da Constituição Federal, a desproporção do quantitativo dos ocupantes de cargos em comissão, face ao quantitativo dos ocupantes de cargos efetivos, justamente pela ausência de legislação estadual que regule a forma e proporção de provimento de cargos em comissão, seja de pessoas estranhas à administração pública ou de servidores ocupantes de cargos efetivos.

Foi apontado ainda na inicial que certos cargos em comissão do DETRAN não são inerentes a atribuições de chefia,direção e assessoramento, com fundamento no art. 37, V, da Constituição Federal, o que confere com a determinação de que o apelante deve destinar os cargos em comissão a estas atribuições.

Dessa forma não há que se falar que o magistrado não analisou fundamento invocado pelas partes ou que foi além do exposto na inicial. [...] (Parecer Ministerial, fls. 1.297-99)


Dito isso, levando em consideração que ¿a decisão judicial resulta de um exercício lógico, em que premissas e conclusões mantenham vínculos de pertinência e consequência¿ (REsp 132349/SP, DJ 03/11/1998), concluo que não há falar em julgamento extra ou ultra petita na sentença proferida.

Essas são razões que adoto para decidir, afastando assim a questão prejudicial e submetendo-a aos pares.


II. Mérito

Afirma a recorrente ser incabível a conclusão alcançada na sentença no sentido de que não houve desproporcionalidade no percentual aferido no seu quadro funcional de servidores, pois não existe legislação específica que trate de percentuais máximos de cargos comissionados providos por pessoas estranhas à administração, bem como não existe impedimento legal na contratação de comissionados que não exerçam cargos de direção, chefia e assessoramento.

Aduz estar atuando sob o manto da discricionariedade, pois tais nomeações são balizadas pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o que demonstra total consonância com os princípios constitucionais norteadores da administração pública.

A razão não assiste ao apelo.

A regra é o concurso público, o cargo em comissão a efemeridade.

A Constituição Federal dispõe que os cargos comissionados - situação excepcional em face da regra que impõe à Administração a realização de concurso público -, submeter-se-ão a percentuais mínimos previstos em lei.

É o que se extrai da Emenda Constitucional n. 19 de 1.998, que alterou o inc. V do art. 37 da CF/88, em que se estabelecia que os cargos em comissão e as funções de confiança deveriam ser exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargos de carreira técnica ou profissional. Agora se lê que as funções de confiança, exercidas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargos efetivos, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, verbis:


[...] as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;


Contudo, estamos tratando aqui da excepcionalidade, pois a regra geral é o provimento de cargos públicos por meio de concursos, é o que preleciona, com a maestria de sempre, Hely Lopes e Pontes de Miranda:


O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando empregos públicos. (MEIRELLES, Hely Lopes - 1999: 387)

A excepcionalidade decorre de ser a regra geral o provimento dos cargos públicos mediante concurso, em respeito ao princípio da igualdade, especificado no denominado princípio da acessibilidade dos cargos públicos a todos os brasileiros, reconhecendo nosso maior jurista a existência de um direito público subjetivo aos cargos públicos (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, RT, II, p. 467).


Com efeito, os cargos públicos em comissão, porque fazem ingressar no serviço público pessoas estranhas à Administração, devem ser criados de maneira excepcional, para atender especificamente a funções que não exijam vínculo permanente entre o servidor e o Poder Público, como ensina o renomado professor administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello em sua respeitada obra ¿Curso de Direito Administrativo" (7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, pág. 160).


Contudo, como bem destacou o douto Procurador de Justiça em sua manifestação (f. 1.300), citando Gasparini, para quem


[...] a escolha dos ocupantes de cargos em comissão não é absolutamente livre, pois tais cargos deverão ser preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei.


Seguindo, portanto, a mesma linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal, em que os cargos de provimento em comissão são aqueles vocacionados para serem ocupados, em caráter transitório, por pessoa de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, quem os esteja titularizando. Contudo, para tanto, como bem assevera o STF, devem possuir, obrigatoriamente, as atribuições de direção, chefia ou assessoramento; segue aresto:


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 37, II E V. CRIAÇÃO DE CARGO EM COMISSÃO. LEI 15.224/2005 DO ESTADO DE GOIÁS. INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico, tais como os cargos de Perito Médico-Psiquiátrico, Perito Médico-Clínico, Auditor de Controle Interno, Produtor Jornalístico, Repórter Fotográfico, Perito Psicológico, Enfermeiro e Motorista de Representação. Ofensa ao artigo 37, II e V da Constituição federal. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XI, XII, XIII, XVIII, XIX, XX, XXIV e XXV do art. 16-A da lei 15.224/2005 do Estado de Goiás, bem como do Anexo I da mesma lei, na parte em que cria os cargos em comissão mencionados. (STF - ADI: 3602 GO , Rel. Min. BARBOSA, JOAQUIM, Julg. 14/4/2011, Tribunal Pleno, Pub. DJe-108 DIV. 6/6/2011 PUB. 7/6/201 EMENT VOL-02538-01 PP-00027)


Superada a questão da obrigatoriedade das atribuições de direção, chefia ou assessoramento, tanto para o exercício dos funções de confiança quanto para cargos em comissão, passo à questão do percentual mínimo.

Em última análise, é importante pôr em relevo a falha da Lei n. 1.638/2006, de 8 de junho de 2006, a qual ¿dispõe sobre a reestrutura e reorganização do Plano de Carreira, Cargos e Remuneração dos Servidores do Departamento Estadual de Trânsito DETRAN/RO e dá outras providências¿, ao deixar de estabelecer um percentual mínimo dos cargos em comissão a serem providos por servidores de carreira e àquelas pessoas estranhas à Administração. Isso porque, da leitura dos artigos de seu Capítulo IV, verifica-se a existência de um importantíssimo hiato legal, o qual deixou de fixar tais percentuais, gerando assim os problemas que agora surgem, transcrevo:


CAPÍTULO IV
DOS CARGOS EM COMISSÃO
Art. 15. As funções dos Cargos de Direção Superior são aquelas definidas na Lei Complementar da Estrutura Organizacional do DETRAN/RO.
Art. 16. VETADO.


Ressalta-se que o Juízo sentenciante aferiu que 55,55% dos 522 (quinhentos e vinte e dois) cargos em comissão existentes (à data dos fatos) no quadro funcional da recorrente eram ocupados por comissionados ¿puros¿, ou seja, pessoas sem vínculo com a administração e, diante da lacuna legal acerca da fixação obrigatória do percentual mínimo previsto na Constituição Federal, invocou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, lastreado em paradigmas legais como o Decreto n. 5.497/2005 (art. 1º), a Lei Orgânica do Distrito Federal (art. 19, inc. V) e a Lei Complementar 568/2010 (Art. 7º, § 1º - Plano de Cargos e Salários dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Rondônia), exercendo assim o controle judiciário, visando a impor limitações à discricionariedade administrativa, objetivando coibir atos que venham a exorbitar os critérios de conveniência e oportunidade.

O Supremo Tribunal Federal, sobre o tema, já se pronunciou:


AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I - Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II - Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. III - Agravo improvido. (STF, RE-AgR 365368/SC, Rel. Min. Lewandowski, Ricardo, j. 22/5/2007)


Portanto, deve ser, a todo custo, evitada a anomalia do excesso de servidores estranhos ao quadro permanente da Administração Pública, pois provoca distorções e transtornos de toda ordem, contribuindo, desde as campanhas eleitorais, para que não se tenha uma administração pública eficiente, com reflexos nefastos para toda a população.

A ausência de limitações precisas entre os cargos de natureza política e os de natureza técnica e a ausência de uma política de recursos humanos são, sem sombra de dúvida, fatores impeditivos da construção de um perfil profissional para os cargos comissionados, fatores pelos quais não se deve abrir espaço para a distribuição destes de forma arbitrária, aleatória e desprovida de critérios, favorecendo, inclusive, o arraigamento do clientelismo em nossa cultura política em detrimento do princípio da eficiência, tão buscado na administração pública moderna.

É esse, sem dúvida, o desafio para esta geração e para a próxima: fortalecer e consolidar, na prática, uma postura mais rígida a favor da efetiva profissionalização da função pública no Brasil.

Diante do exposto, quanto à matéria de fundo, denota-se que a demanda foi bem equacionada pelo MM. Juízo sentenciante, razão pela qual sou pelo não provimento do recurso e mantenho incólume a bem lançada decisão.

É o voto.