Justiça não consegue encontrar deputado denunciado por desvio de recursos da Assembleia

Como não pode ser candidato, ele faz campanha para a mãe, de 65 anos. Outro parlamentar foi citado , não apresentou contestação e agora será defendido por defensor público.

Publicada em 22 de August de 2014 às 08:38:00

Da reportagem do Tudorondonia

Os oficiais de justiça não estão encontrando o deputado estadual Kaká Mendonça (PTB) para citá-lo a apresentar defesa em mais uma ação impetrada contra ele pelo Ministério Público de Rondônia, dessa vez por envolvimento no desvio de recursos da Assembleia Legislativa por utilização ilegal de passagens aéreas.

Como a Assembleia está em recesso, Kaká não tem comparecido ao parlamento estadual.
Em Pimenta Bueno, sua base eleitoral, ele faz campanha eleitoral para sua mãe, Maria Madalena Gerolomo de Mendonça, de 65 anos, candidata à sua vaga na Assembleia. Por ser “Ficha Suja”, deputado não disputa reeleição.

A exemplo das famílias Cassol, Gurgacz e Donadon, o deputado estadual Kaká Mendonça (PTB), de Pimenta Bueno, que é “Ficha Suja” por acusações de corrupção e não pode disputar à reeleição, colocou sua mãe, a idosa Maria Madalena para disputar o cargo na Assembleia Legislativa de Rondônia.

“Dona Madalena”, como é conhecida, tem 65 anos e está filiada ao PEN. Ela é mãe, também, do prefeito de Pimenta Bueno, Jean Mendonça.

Ao registrar sua candidatura, “Dona Madalena” alegou revisão de gastos de R$ 3 milhões nas eleições.

DEFENSORIA PÚBLICA
A Defensoria Pública, que existe para defender as pessoas declaradamente pobres, será acionada para fazer a defesa, ,no mesmo caso das passagens, do deputado estadual Maurão de Carvalho (PP), candidato à reeleição.

Embora citado por oficial de justiça, Maurão de Carvalho não apresentou contestação às acusações do Ministério Público, por isso o TJ-Rondônia determinou que sua defesa seja feita pela Defensoria Pública.

Os fatos narrados pelo Ministério Público referem-se ao envolvimento dos denunciados no desvio de recursos públicos, no valor de R$2.692.957,34 (dois milhões, seiscentos e noventa e dois mil, novecentos e cinquenta e sete reais e trinta e quatro centavos), consistentes no fornecimento, às custas dos cofres públicos, de 1.757 passagens aéreas a várias pessoas, para viagens sem qualquer interesse público.

Segundo consta, os peculatos, supostamente praticado pelos denunciados, teriam ocorrido entre de março de 2003 a junho de 2005.

A denúncia já foi recebida pelo Tribunal de Justiça de Rondônia.

 Veja as decisões sobre o caso:

Tribunal Pleno
Despacho DA RELATORA
Ação Penal - Procedimento Ordinário
Número do Processo :
2204770-59.2005.8.22.000
0
Processo de Origem : 2004770-43.2005.8.22.0000
Autor: Ministério Público do Estado de Rondônia
Réu: João Ricardo Gerolomo de Mendonça
Advogado: Lead Alvares e Silva(OAB/RO 263)
Advogado: Marcelo Maldonado Rodrigues(OAB/RO 2080)
Advogado: Manoel Ribeiro de Matos Junior(OAB/RO 2692)
Réu: Marcos Antônio Donadon
Advogado: José Viana Alves(OAB/RO 2555)
Advogada: Beatriz Wadih Ferreira(OAB/RO 2564)
Réu: Neodi Carlos Francisco de Oliveira
Advogado: José Viana Alves(OAB/RO 2555)
Advogada: Beatriz Wadih Ferreira(OAB/RO 2564)
Advogada: ERICA CAROLINE FERREIRA VAIRICH(OAB/RO 3893)
Réu: Mauro de Carvalho
Advogado: JosÉ de Almeida JÚnior(OAB 1370)
Advogado: Carlos Eduardo Rocha Almeida(OAB/RO 3593)
Relatora:Desª Ivanira Feitosa Borges
Vistos e etc.
A certidão de fls. 2880v. informou a impossibilidade de citação do
réu João Ricardo Gerolomo de Mendonça em razão do recesso
da Assembléia Legislativa. Considerando o retorno das atividades
da casa legislativa, determino ao Departamento que proceda nova
citação deste réu para apresentar resposta à acusação no prazo
de 10 dias;
Quanto ao réu Mauro de Carvalho, observo que este foi citado,
porém não constituiu advogado, deixando de apresentar resposta
à acusação conforme certidão do Departamento às fls. 2889. Desta
forma, nos termos do art. 396-A, §2º, nomeio Defensor Público para
apresentar resposta à acusação em nome deste réu, concedendo
vista dos autos por 10 dias.
No que diz respeito à petição de fls. 2890/2891, anoto que Marcos
Antônio Donandon não mais figura no polo passivo desta demanda,
razão pela qual determino o desentranhamento da referida petição,
bem a como a sua restituição ao patrono subscritor, mediante
intimação;
Com relação ao réu Neodi Carlos, o qual apresentou resposta à
acusação às fls. 2882/2887, deixo para apreciá-la conjuntamente
com as respostas dos demais réus em fase processual própria.
Intime-se e cumpra-se.
Porto Velho - RO, 21 de agosto de 2014.
Desembargadora Ivanira Feitosa Borges
Relatora
EMENTA

Recebimento de denúncia. Ação penal. Crimes de peculato. Presença de indícios de autoria e da materialidade. Instauração da ação penal contra todos os denunciados. Absolvição. Impossibilidade. Ressarcimento do prejuízo. Irrelevância.

Ajusta-se ao tipo do art. 312 do Código Penal a conduta de desviar dinheiro público para aquisição de passagens aéreas para atender interesses exclusivamente particulares.

Estando a denúncia acompanhada de elementos de convicção que revelam indícios de autoria e de materialidade, a inicial deve ser recebida e instaurada a ação penal, atendendo-se a regra do devido processo legal.

No peculato doloso, a reparação do dano, ainda que efetuada antes do oferecimento da denúncia, não enseja a absolvição do agente.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, RECEBER A DENÚNCIA, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA.



Os Desembargadores Rowilson Teixeira, Sansão Saldanha, Moreira Chagas, Kiyochi Mori, Marcos Alaor Diniz Grangeia, Raduan Miguel Filho, Marialva Henriques Daldegan Bueno, Daniel Ribeiro Lagos, Oudivanil de Marins, Valdeci Castellar Citon, Renato Mimessi e Valter de Oliveira e os Juízes Sandra Aparecida S. de Frias Torres e Glodner Luiz Pauletto acompanharam o voto da relatora.

Ausentes Justificadamente os Desembargadores Gilberto Barbosa, Isaías Fonseca Moraes e Walter Waltenberg Silva Junior.

Incompatível o Desembargador Alexandre Miguel.

Porto Velho, 2 de dezembro de 2013.


DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES
RELATORA


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
Tribunal Pleno

Data de distribuição :02/08/2005
Data de redistribuição :10/08/2008
Data de julgamento :02/12/2013


2204770-59.2005.8.22.0000 Ação Penal - Procedimento Ordinário
Autor : Ministério Público do Estado de Rondônia
Réu : João Ricardo Gerolomo de Mendonça
Advogados : Lead Alvares e Silva (OAB/RO 263), Marcelo Maldonado Rodrigues
(OAB/RO 2.080) e Manoel Ribeiro de Matos Júnior (OAB/RO 2.696)
Réu : Neodi Carlos Francisco de Oliveira
Advogados : José Viana Alves (OAB/RO 2.555), Beatriz Wadih Ferreira
(OAB/RO 2.564) e outros
Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges
Revisor : Desembargador Rowilson Teixeira



RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Rondônia ofereceu denúncia em desfavor dos deputados estaduais João Ricardo Gerólomo de Mendonça (¿Kaká Mendonça¿), Mauro de Carvalho (¿Maurão de Carvalho¿) e Neodi Carlos Francisco de Oliveira afirmando que juntamente com outros denunciados, à época parlamentares estaduais e funcionários públicos da Assembleia Legislativa de Rondônia, concorreram para a prática do crime de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal, combinado com os arts. 29 e 71, do mesmo Codex.

Nos termos da decisão de fls. 2.759/2.762, os autos foram desmembrados com relação aos parlamentares denunciados que perderam o foro privilegiado e os funcionários públicos, que passaram a ser processados perante o juízo de primeiro grau.

Neste aspecto, ressalto que especialmente quanto ao denunciado Marcos Antônio Donadon que recentemente perdeu mandato parlamentar, determinei o desmembramento dos autos para trâmite regular no primeiro grau de jurisdição.

Os fatos narrados pelo Ministério Público referem-se ao envolvimento dos denunciados no desvio de recursos públicos, no valor de R$2.692.957,34 (dois milhões, seiscentos e noventa e dois mil, novecentos e cinquenta e sete reais e trinta e quatro centavos), consistentes no fornecimento, às custas dos cofres públicos, de 1.757 passagens aéreas, a várias pessoas, para viagens sem qualquer interesse público.

Segundo consta, os peculatos, supostamente praticado pelos denunciados, teriam ocorrido entre de março de 2003 a junho de 2005.

Determinou-se a notificação de todos os denunciados para, querendo, oferecerem resposta preliminar, na forma prevista no art. 4º da Lei n. 8.038/90.
A defesa preliminar de João Ricardo Gerólomo de Mendonça, ¿Kaká Mendonça¿ consta às fls. 1766/1774 (vol VII); de Mauro de Carvalho, ¿Maurão de Carvalho¿ às fls. 1676/1681 (vol. VI) e de Neodi Carlos Francisco de Oliveira, às fls. 1709/1713 (vol. VI).

À fl. 2240, determinou-se que o Ministério Público se manifestasse sobre os documentos novos apresentados pelos acusados com a resposta, bem como sobre o pedido para restituição ao erário dos valores supostamente desviados pelos acusados Alberto Ivair Rogoski Horny , Neodi Carlos Francisco de Oliveira e Nereu José Klosinski.

Em resposta, o órgão ministerial aduziu que (fls. 2242/2244):

a) a tônica das defesas apresentadas pelos denunciados centra-se na alegação de que os gastos com passagens aéreas estavam dentro da cota atribuída a cada parlamentar pelas normas vigentes no Poder Legislativo;

b) a juntada dos vários atos, decreto legislativo e resoluções que dispõem sobre a concessão de passagem aérea no âmbito do Legislativo em nada melhora a situação dos acusados, haja vista que o teor das referidas normas definem que a verba denominada ¿ajuda de transporte¿ aos parlamentares, integrava o seus vencimentos e desonerava a Assembleia a lhes conceder passagens, ¿exceto em casos excepcionais¿, como expressamente consta no art. 2º dos Atos 2/95 e 8/95 (fls. 1903 e 1910). Assim, diz o Ministério Público não haver razão legal para que os Parlamentares pedissem passagens aéreas e, tampouco, a Presidência da ALE deveria tê-los atendido, ainda que para viagens a serviço do cargo;

c) deve se atentar para ¿certa sutileza legislativa¿, uma vez que após a investigação dos fatos que originaram a denúncia, foi instituída pela Resolução 136/07, de 08/02/2007 (fl. 1917) duas verbas distintas para cobrir a locomoção de Parlamentar, o chamado ¿auxílio transporte¿ concedido para ¿cobrir despesas no desempenho de suas atribuições¿ e a cota mensal para passagens aéreas do gabinete do Deputado, detalhe que merece destaque pelas suas conseqüências;

d) as normas que legitimavam a concessão de passagens aos Parlamentares no período de março/2003 a junho/2005, deve ser aquelas em vigor no momento em que concedidas, não as normas editadas posteriormente para tornar legal o que não o era;

e) ainda que a Assembleia estivesse autorizada, por norma hígida, a fornecer passagens aéreas a Parlamentares e servidores, deveria ter observado, para a concessão, o inafastável interesse público. Desta forma, a dação pela ALE de passagens gratuitas a parentes de Parlamentares, apaniguados políticos, terceiros estranhos ou mesmo para Parlamentares para viagens destituídas de finalidade pública, implica no desvio de dinheiro público criminalizado pelo art. 312 do CP;

f) o pleito dos Parlamentares que pretendem ressarcir o prejuízo antes do recebimento da denúncia para se beneficiarem do instituto do arrependimento posterior, sugere o órgão acusador que o recolhimento dos valores, devidamente corrigidos, seja feito em conta única do Estado de Rondônia.

À fl. 2245, foi determinado aos interessados em restituir os valores supostamente desviados, a abertura de contas judiciais vinculadas a esta ação penal, caso quisessem ser beneficiados com o arrependimento posterior.

Houve a interposição de recurso de agravo regimental e de embargos de declaração pelos denunciados contra a decisão monocrática que declinou a competência deste Tribunal de Justiça para o Superior Tribunal de Justiça, em face da prerrogativa de foro do denunciado Francisco Carvalho da Silva que assumiu o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas de Rondônia, tendo sido ambos recursos devidamente julgados por esta Corte e não providos (fls. 2537/2545 e 2584/2590) ¿ vol X.

De igual forma, não se conheceu do recurso em sentido estrito interpostos pelos denunciados em que visavam reverter a referida decisão monocrática, conforme consta às fls. 2672/26/79 (vol. XI).

Os recursos especial e extraordinário também não foram admitidos conforme decisões de fls. 2680/2687 (vol. XI).

Recentemente, os deputados denunciados Mauro e Neodi alegaram ter realizado o depósito judicial dos valores do débito que lhes foram imputados, objetivando o ressarcimento do erário antes do recebimento da denúncia, a fim de que, assim, seja declarada extinta suas punibilidades.

Assim sendo Mauro de Carvalho recolheu o valor de R$ 96.589,45 (fls. 2785/2805) e Neodi Carlos Francisco de Oliveira o valor de R$ 30.568,20 (fls. 2812/814).

É o relatório.


VOTO

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

Atendendo ao que determina o art. 6º da Lei nº 8038/90, incluí o presente feito em pauta, para que seja deliberado por esta egrégia Corte acerca do recebimento da denúncia ofertada em desfavor dos deputados estaduais João Ricardo Gerólomo de Mendonça, Mauro de Carvalho e Neodi Carlos Francisco de Oliveira.

A matéria a ser analisada nesta oportunidade se restringe aos requisitos de admissibilidade da inicial acusatória, quais sejam: indícios de autoria e de materialidade. As teses apresentadas pelas defesas dos denunciados que dizem respeito ao mérito deverão ser analisadas no decorrer da instrução do processo, caso a denúncia venha a ser recebida.

Pois bem.

A denúncia narra que, de março de 2003 a junho de 2005, José Carlos de Oliveira (Carlão de Oliveira), então presidente da Assembleia Legislativa deste Estado, utilizando-se desse cargo, desviou em proveito próprio e alheio, recursos financeiros no valor de R$ 2.692.957,34 (dois milhões, seiscentos e noventa e dois mil, novecentos e cinquenta e sete reis e trinta e quatro centavos).

Os desvios consistiram no fornecimento gratuito, às custas dos cofres da Assembleia, de 1.757 passagens aéreas, beneficiando várias pessoas para viagens destituídas de qualquer interesse público.

Segundo apontado na peça inicial, era comum a concessão de passagens aos próprios Deputados e a seus familiares, em viagens em pleno recesso parlamentar a locais turísticos e cidades praianas, sem nenhuma finalidade pública.

O órgão acusador relata que as passagens foram fornecidas não só por iniciativa do Presidente Carlão de Oliveira, mas também por solicitação a este feita por outros Deputados Estaduais, bem como por Moisés José Ribeiro de Oliveira e Terezinha Esterlita Grandi Marsaro (ambos servidores do Poder Legislativo), e, ainda, por Silvernani César dos Santos (ex-Deputado) e Haroldo Augusto Filho (conhecido por Haroldinho), estes, partícipes da ação do Presidente.

Consta, ainda, que não havia, na Assembleia, norma disciplinando a emissão de passagens e somente em dezembro de 2005, quando os fatos foram investigados pela ação policial, é que se criou a Resolução 109/05 (fls. 1440), regulamentando a matéria.

Segundo apontado ainda na peça inicial, todos os denunciados tinham conhecimento que somente ao Presidente, administrador mor da Assembleia e guardião do dinheiro do Poder Legislativo, cabia autorizar a emissão de passagens e pagá-las, de modo que os parlamentares denunciados e os outros acusados pediam-lhe indiscriminadamente a emissão de bilhetes, formalmente ou verbais, os quais eram concedidos, indicando como beneficiários ora os próprios solicitantes, ora seus parentes, ora servidores do Poder Legislativo, ora pessoas completamente estranhas à Assembleia, entretanto, em todos os casos em viagens de interesse particular.



Noticia, também, que as referidas concessões atendiam interesses não só do Presidente como dos Parlamentares solicitantes, pois as benesses a um só tempo lubrificavam o apoio político recíproco na Assembleia, como também satisfaziam interesses eleitoreiros dos Deputados, que agraciavam com a dádiva seus apaniguados e base eleitoral, para disso tirarem proveito com vistas à próxima campanha.

Frise-se, que a peça acusatória apresenta quadros que individualizam as passagens ilegalmente emitidas por ingerência de cada um dos denunciados.

Consigna o Ministério Público que era comum a concessão de passagens aos próprios Deputados e a seus familiares, em viagens a locais turísticos e cidades praianas, em pleno recesso parlamentar, destituídas de finalidade pública.

Como acima disposto, a capitulação da denúncia indica expressamente o caput do art. 312 do CP, no qual o órgão acusador pretende, durante o desenvolvimento válido do procedimento criminal, comprovar a conduta delitiva dos ora acusados como peculato, na modalidade da apropriação de dinheiro público, assim como o concurso entre os denunciados para a suposta prática delitiva ¿ art. 29 do Código Penal ¿, em continuidade delitiva - art. 71 do Estatuto Punitivo.

Compulsando os documentos e declarações das testemunhas que instruem os autos de inquérito policial nº 237/2005, base da peça acusatória, entendo presentes os elementos mínimos relativos à materialidade e à autoria dos fatos delituosos imputados aos ora denunciados.

O art. 312 do CP descreve que constitui peculato o funcionário público apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.

A materialidade do crime está indicada na denúncia como sendo o valor de R$ 2.692.957,34 (dois milhões, seiscentos e noventa e dois mil, novecentos e cinquenta e sete reais e trinta e quatro centavos) desviados da Assembleia Legislativa deste Estado, em face do fornecimento gratuito de 1.757 (mil, setecentos e cinquenta e sete) passagens aéreas a pessoas diversas, para atender interesses estranhos à atividade pública.

Os quadros demonstrativos insertos na peça acusatória, descrevem detalhadamente os beneficiários e os números dos bilhetes, o trecho, a data e o valor de cada passagem, assim como o número do apenso (processo administrativo da ALE/RO), que originou o pedido (fls. 02/57).

Do pedido de extinção da punibilidade.

Os denunciados Mauro de Carvalho (fls. 2783) e Neodi Carlos Francisco de Oliveira (fls. 2812/2813) alegaram ter ressarcido integralmente o erário, mediante o depósito judicial dos valores do débito que lhes foram imputados, objetivando, assim, que seja declarada a extinção das suas punibilidades, com fulcro no §3º do art. 312 do Código Penal.

Assim, o denunciado Mauro recolheu o valor de R$ 96.589,45 (fls. 2785/2805) e o acusado Neodi o valor de R$ 30.568,20 (fls. 2812/814).

Em que pese a providência somente agora adotada pelos acusados, importa ressaltar que no peculato doloso, a reparação do dano, ainda que efetuada antes do oferecimento da denúncia, não enseja a absolvição do agente.

Ademais, o § 3º do art. 312 que autoriza a extinção de punibilidade pela reparação do dano antes da sentença irrecorrível ou sua diminuição pela metade se é posterior, refere-se exclusivamente ao peculato culposo previsto no § 2º do mencionado artigo, o que não é o caso dos presentes autos.

No peculato doloso que recai sobre os denunciados, a reparação do dano não elide o crime, já que convergem no caso a violação do dever funcional e o dano patrimonial, não sendo apenas um crime contra o patrimônio do Estado, mas, principalmente, uma traição à função pública.

O que o peculato atinge é a confiança da administração pública, causando prejuízo não só material, mas também moral e político.

Vejamos a jurisprudência acerca do tema:


TJSP - ¿No peculato, o ressarcimento do prejuízo ou a restituição da coisa por ato voluntário do agente, antes do recebimento da denúncia, não descaracteriza o delito nem, implica em redução da pena, pois, por se tratar de crime contra a Administração Pública e não contra o patrimônio, inaplicável o arrependimento posterior¿ (TJSP ¿ RT 762/596).


No mesmo sentido:


STF - o ressarcimento do dano não extingue a punibilidade no peculato doloso. O que importa nesse crime não é só a lesão patrimonial, mas, igualmente, a desmoralização a que fica exposta a Administração Pública (STF ¿ RT 510/451).


STJ - ¿Processual Penal. Recurso Ordinário de Habeas Corpus. Peculato e Falsidade Ideológica. Ressarcimento antes do oferecimento da Denúncia. [...].

I - O Ressarcimento antes do oferecimento da exordial acusatória não extingue, no peculato doloso, a punibilidade e nem caracteriza o arrependimento eficaz. (¿)¿ (STJ - RHC 6152 / RS ¿ Rel. Min. Felix Fischer ¿ T5 - j. em 19/08/1997).


Assim, no caso dos autos não há que se falar na possibilidade da extinção da punibilidade por eventual ressarcimento do dano.

Portanto, indefiro os pedidos de extinção de punibilidade dos denunciados Mauro de Carvalho e Neodi Carlos Francisco de Oliveira.

Dos indícios de autoria concernentes a Neodi Carlos Francisco de Oliveira

O denunciado Neodi Carlos Francisco de Oliveira alegou em sua defesa preliminar, a tese de que não se utilizou de passagens aéreas fora de suas cotas mensais e que, inclusive, apresentou ao setor responsável as devidas comprovações da utilização dos bilhetes concedidos.

Assim, postula a exclusão de seu nome do pólo passivo da presente ação. Subsidiariamente, aduz que na hipótese de ser comprovado que houve a utilização indevida das passagens aéreas, requer a sua absolvição, sob a justificativa de que as autorizações para emissão dessas passagens, bem como os respectivos pagamentos eram determinados pelo então Presidente da Assembleia Legislativa e ordenador de despesas.

Registro que as alegações do acusado depende de dilação probatória para se apurar a verdade real para a aplicação da lei penal nos seus estritos termos, e isso somente ocorrerá após o recebimento da denúncia.

Acerca dos indícios necessários do envolvimento do acusado para a avaliação sobre o recebimento da peça acusatória, verifico que são suficientes para tanto, pois Neodi Carlos Francisco de Oliveira confessou ter solicitado a emissão de passagens aéreas a parentes, servidores do seu gabinete e pessoas estranhas aos quadros da Assembléia Legislativa, nesses termos:


[...] perguntado se já solicitou passagem aérea para utilização de servidores de seu gabinete, respondeu que sim [...] solicitou passagens para CELSO, para Porto Alegre/RS, neste ano ou no ano passado, por ocasião do estado de saúde de seu pai ou por conta de seu falecimento [...] acrescenta que também requereu passagens para a esposa e para a sogra de CELSO, não sabendo esclarecer se as passagens foram utilizadas na mesma ocasião das utilizadas por CELSO [...] perguntado se já solicitou passagem aérea para pessoas estranhas aos quadros da ALE-RO, respondeu que sim [...] perguntado acerca das datas, dos trechos e da finalidade de tais viagens, respondeu que certa feita solicitou passagens para a pessoa de MARILEIDE SANDES SIQUEIRA, vereadora da Câmara Municipal de Machadinho d' Oeste/RO, ¿para o Nordeste, quando morreu o pai dela [...] (fls. 685/688).


Além disso, Neodi declarou ainda que solicitou e obteve passagem para sua irmã Enir Francisco da Costa e para o seu genitor Valdomiro Francisco de Oliveira com destino a Curitiba, bem como para um amigo seu de nome Valdir Antonio de Vargas, com a finalidade de lhe acompanhar em uma de suas viagens a Brasília/DF.

O quadro constante à fl. 41, confirma as declarações do denunciado, informando ainda a solicitação de outras passagens, com beneficiários diversos, tudo às expensas da Casa de Leis do Estado.

A alegação de que a passagem solicitada por Neodi, em recesso parlamentar, para Foz de Iguaçu/PR, foi devolvida ao setor financeiro da Assembléia em razão de a viagem ter sido cancelada, poderá ser comprovada durante a instrução da ação penal, caso instaurada.

Dos indícios de autoria relativos a João Ricardo Gerólomo de Mendonça e Mauro de Carvalho.

A defesa dos denunciados, em alegações preliminares, sustentaram que as passagens que solicitaram ao órgão público estão dentro das cotas disciplinadas por atos e resoluções do Poder Legislativo, que permitem a utilização pelos Deputados em seu exercício Parlamentar e nos casos excepcionais (doenças, cursos, congressos, etc.), desde que atenda ao interesse público. Dizem, ainda, que agiram no estrito exercício regular de seus direitos. Ressaltam ainda que sendo os procedimentos adotados para o fornecimento de passagens pautados em lei, e agindo o denunciado no exercício regular do direito, não há de se falar em crime. Postulam a rejeição da denúncia

A questão sobre as cotas de cada deputado, bem como a justificativa de que sempre agiram atendendo ao interesse público é matéria que deverá ser debatida durante a instrução do processo.

Não obstante os acusados João Ricardo e Mauro de Carvalho aleguem que utilizaram as passagem por eles solicitadas sempre atendendo a finalidade pública, existe indícios nos autos de que ocorreu exatamente o contrário.

Quanto ao acusado João Ricardo Gerolomo de Mendonça (¿Kaká Mendonça¿) o quadro de fls. 33/34 e os apensos ali indicados, em tese, mostram que ele beneficiou a si próprio, bem como a parentes e amigos com passagens aéreas às expensas da Assembleia Legislativa, com indicação de serem destituídas de interesse público. Dentre elas, figuram as fornecidas ao seu tio Adolfo Gerólomo, para tratamento de saúde em Belo Horizonte, acompanhado de Eneida Silva.

Além disso, a Assembleia custeou a passagens e despesas da esposa do acusado Débora Tribulato Mendonça, com destino a Paris e, posteriormente Roma, no mês de maio de 2003, a qual acompanhou o denunciado ¿Kaká Mendonça¿ que fazia parte do denominado Comitê de Mobilização para Projeção da Bovinocultura de Rondônia no Mercado Internacional, juntamente com os Deputados Chico Paraíba, Haroldo Santos e Ellen Ruth.

A testemunha Roberto Carlos Barbosa, sócia da empresa L.S. Turismo Ltda. (VIVOTUR), confirma o episódio das passagens com destino a Paris e Roma para os parlamentares e suas esposas, in verbis:

[...] recorda-se que efetivamente sua empresa vendeu sete passagens aéreas à Europa para a Assembleia Legislativa para atender os Deputados com os nomes políticos de Ellen Ruth (com o nome civil na passagem de Ellen Rosa), Kaká Mendonça e sua mulher Débora Mendonça (ele com o nome civil João Mendonça), Chico Paraíba e sua mulher Ivanir Araújo (ele com o nome civil Francisco Carvalho) e Haroldo Santos e sua mulher Luzia Santos; que o preço de cada passagem, incluindo a ida e a volta, foi de R$ 3.669,79 [...] o total dessas sete passagens foi de R$ 25.688,53; que a diferença entre esse valor e o valor cobrado da Assembléia de R$ 34.503,50 conforme fatura nº 056/03 da Vivotour que se vê às fls. 6 (numeração do MP) do referido Apenso 10, diferença essa de R$ 8.814,97, decorreu de despesas com hospedagem e traslado dos sete passageiros [...] (fl. 1478).


Existem ainda nos autos, elementos que indicam que ¿Kaká Mendonça¿ se beneficiou de passagens pagas pelo Poder Legislativo no período de recesso parlamentar, algumas acompanhados da família.

O próprio ¿Kaká Mendonça¿ ao ser ouvido pela autoridade policial admitiu que solicitou passagens para que seu tio Adolfo viajasse até Belo Horizonte para tratamento de saúde, e que sua esposa viajou para a cidade de Londrina, para levar a filha menor Maria Eduarda para revisão médica (fls. 301/303).

Quanto ao denunciado Mauro de Carvalho, o documento de fl. 42, o qual teve como base os apensos 17, 18, 30, 43, 46 e 50, fornece indícios de que, igualmente aos demais já analisados, solicitou e obteve passagens aéreas, custeadas pelo Poder Legislativo, sem finalidade pública, em benefício próprio, de sua mulher, filhas menores e seus genitores.

Acresce-se ainda a existência de elementos circunstanciais apontando que Mauro de Carvalho viajou, em pleno recesso parlamentar, utilizando passagens cedidas pela Casa de Leis, duas das quais em companhia de sua mulher, bem como, em tese, utilizou de sua influência para obter do citado órgão público passagens de SP/PVH/SP, para apresentação dos cantores religiosos Jamily, Maria José e Walter Tavares e a Auriberto Feitosa, para palestra religiosa.

Por isso, constata-se a justa causa para a apuração dos acontecimentos narrados.

Assim, vejo presentes todos os requisitos formais suficientes à produção de efeitos válidos.

A peça acusatória não descuidou de expor de forma pormenorizada os fatos que deram embasamento ao seu pedido, qualificou perfeitamente os acusados e individualizou suas condutas, o que lhes dá a chance de exercer a plenitude do direito de defesa.

Não oferece a inicial nenhuma dificuldade na compreensão dos fatos de molde a representar óbice à defesa dos denunciados. Não houve, no caso concreto, qualquer violação às normas de cunho formal, mormente no que se refere ao disposto nos artigos em que foram enquadrados, uma vez que a denúncia preenche os requisitos legais necessários, exigidos pela lei.

Os fatos narrados constituem, em tese, a prática do crime previsto nos 312, caput, do Código Penal, em continuidade delitiva (art. 71 do CP), c/c art. 29 do CP e o direito de punir do Estado não se encontra prescrito, uma vez que os fatos supostamente ocorreram entre os meses de março de 2003 a junho de 2005, e finalmente, inexiste ilegitimidade ou condição de procedibilidade que não tenha sido atendida.

Foram observadas as exigências contidas no art. 41 do Código de Processo Penal e não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art. 43 do mesmo diploma legal, tendo sido efetuada a exposição dos fatos criminosos de forma a permitir o pleno exercício da defesa.

Diante do exposto, considerando que a peça inaugural faz minuciosa explanação dos fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação dos crimes, indicando rol de testemunhas e encartando farta matéria documental, o recebimento da denúncia em face de João Ricardo Gerólomo de Mendonça (¿Kaká Mendonça¿), Mauro de Carvalho e Neodi Carlos Francisco de Oliveira é medida que se impõe, com o consequente prosseguimento do feito.

É como voto.