O Eduardo Cunha, o PL4330, o 666 e a desfaçatez parlamentar

Davi Nogueira

Publicada em 17 de April de 2015 às 16:24:00

1. O Eduardo Cunha, o PL4330, o 666 e a desfaçatez parlamentar

A grande pauta política destes tumultuados e cinzentos dias diz respeito à aprovação do Projeto de Lei 4.330, chamado de regulamentador da Terceirização do Trabalho. Trata-se de algo do tipo “abertura de porteira para a Zona total” nas relações trabalhistas existentes em nossas ensolaradas terras tropicais. O deputado federal Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), esse Tiranossauro, da sabedoria política mais tacanha dentro do que há de pior na política brasileira, inovou... Num momento de “pura inspiração 666”, sacou (não sabemos o motivo, mas imaginamos) de uma gaveta empoeirada do Congresso, um projeto vergonhoso, a dormitar desde 2004, para torná-lo pauta panaceica do mundo do trabalho tupiniquim. Imediatamente abraçado pelo setor empresarial, a proposta é uma vergonha... que tipo de dívida com empresário levaria um deputado a votar nessa imoralidade???

2. Ouvindo a Paraíba

Para jogar um pouco de luz sobre o que existe nisso, vale rever a palestra do Dr. Eduardo Varandas Araruna, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 13ª Região, realizada no último dia 7 de abril, em João Pessoa, terra abençoada onde se pode fugir em direção ao Sul e dar de cara com Coqueirinhos, Tambaba e Praia Bela...

3. Até a Justiça do Trabalho
Dentro dos fatos envolvendo o tal PL4330, coube ao Procurador do Trabalho mostrar dados do que significa, na prática, essa Lei. Primeiro ela transformará em “Regra”, aquilo que hoje é tratado na CLT como “Exceção”, ou seja, as contratações fragilizadas e desprotegidas.

4. Dados do aviltamento

Os trabalhadores terceirizados passam a ser pessoas de segunda categoria, com o reconhecimento pleno e aquiescência da sociedade. Consoante as estatísticas, essas pessoas ficam, em média, 2,6 anos a menos no emprego. De cada cinco casos de acidente com morte, quatro são terceirizados... Por trabalhos iguais, eles recebem cerca de 27% a menos do que os trabalhadores permanentes e trabalham mais 3,5 horas por semana. Literalmente, tal medida ataca o principio constitucional do valor social do trabalho, logo passível de questionamento judicial. A terceirização avilta nossa já frágil relação de proteção do cidadão trabalhador diante da ganância selvagem e sem limites do capital.

5. Congresso indigno
Em artigo de Sérgio Godoy, publicado no Viomundo, pode-se ver um dado revelador: os países onde esses processos se aprofundaram foram México, Tailândia e Vietnã... Nenhum, em meu limitado modo de ver, é desenvolvido ou exemplo de nada para o Brasil. Em alguns países da Europa, conforme destacou o Dr. Eduardo Varandas, esse mecanismo sanguinário de terceirização é chamado de “Brasilização das Relações de Trabalho”. Tal pensamento leva em conta o quadro existente hoje com a proteção da CLT, imagine com a abertura da porteira proposta pelo PL4330?? Finalizando, segue abaixo o documento produzido pelo Sindicato Nacional dos Auditores do Trabalho acerca do PL4330, xodó do Tiranossauro Eduardo Cunha.

MANIFESTO

Auditores-Fiscais do Trabalho rechaçam PL da Terceirização

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – Sinait vem manifestar perante a sociedade e o Congresso Nacional sua posição contrária e seu repúdio à aprovação do Projeto de Lei – PL 4330/2004, que prevê a terceirização de mão de obra de forma ampla e irrestrita no Brasil, configurando-se um retrocesso sem precedentes na história dos direitos dos trabalhadores. O Congresso Nacional está prestes a extinguir todo o patrimônio social do trabalhador acumulado ao longo dos últimos 70 anos, com muita luta. Esta legislatura, caso o projeto seja aprovado, será para sempre lembrada como aquela que destruiu a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

O PL 4330/04, votado de forma autoritária na Câmara dos Deputados, retira direitos do trabalhador e legitima o lucro pelo lucro, distanciando-se de preceitos constitucionais como a função social da empresa e a valorização do trabalho. Parlamentares que deveriam votar leis para melhorar a situação do povo agem para precarizar direitos, escancaradamente, sem pudor.

Com a ajuda do Congresso Nacional o empresariado constrói um instrumento cruel para escapar das suas obrigações com os trabalhadores que produzem a riqueza do país, no campo e nas cidades. Os empregadores pretendem transferir suas obrigações trabalhistas e os riscos do negócio a empresas terceirizadas, quarteirizadas, quinteirizadas, e aos trabalhadores, que terão achatados os seus salários e direitos trabalhistas sonegados. A situação oculta o real empregador, verdadeiro beneficiário do resultado do trabalho ofertado dentro da cadeia produtiva e sucessivamente terceirizada, num movimento de pulverização sem fim da organização do trabalho.

Quanto à organização do capital, segue caminho inverso. Empresas adquirem a participação e o controle acionário de outra que, por sua vez, adquire a participação e o controle acionário de outras tantas, num processo ilimitado de concentração, quase sempre contando com financiamento público.

Por esses dois mecanismos – de concentração do capital via fusão e incorporação, e de pulverização do trabalho via terceirização – pretendem distanciar o empregador do empregado, aquele que tem obrigações daquele que tem os direitos. Querem garantir a livre iniciativa sem valorizar o trabalho humano, ambos princípios da ordem econômica nos termos do art. 170 da Constituição Federal de 1988. Tentam ficar só com o bônus, transferindo o ônus a perder de vista, sempre em prejuízo dos trabalhadores. Será uma legião de milhões de trabalhadores sem direitos.

Sob a propagada da modernização a prática da terceirização vem precarizando as condições de trabalho, reduzindo salários, aumentando as jornadas, fragmentando a organização sindical, elevando os índices de acidentes e adoecimentos no trabalho. São fatos reiteradamente comprovados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho em suas fiscalizações e ainda pelas inúmeras pesquisas científicas que evidenciam a relação direta entre terceirização, adoecimento e morte.

Com frequência a terceirização está também associada ao trabalho escravo, rural ou urbano, constatado na construção civil, na cadeia produtiva da moda, da carne, do etanol, entre outras. Mais de 90% dos trabalhadores resgatados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho entre 2010 e 2014 eram terceirizados.

Legalizar para ampliar e desresponsabilizar. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas – Dieese, os trabalhadores terceirizados são a maioria das vítimas de acidentes fatais no país e a rotatividade entre eles é o dobro da observada para os trabalhadores diretamente contratados pelas empresas. Nem tomadoras nem fornecedoras se importam com segurança e treinamento, contribuindo para a manutenção do estarrecedor número de acidentes de trabalho que ocorrem anualmente no Brasil, posicionando o país como o 4º no ranking mundial. A maioria dos terceirizados são dispensados antes de terem direito a férias, abono salarial, Seguro-Desemprego, entre tantos outros direitos. Em inúmeros casos as empresas desaparecem, deixando os trabalhadores sem nada, sobrecarregando a Justiça do Trabalho com milhares de ações. Na maioria são jovens que não têm perspectivas de construir uma carreira, pois ficam pulando de emprego em emprego, sem qualificação.

Como agravante, é a sociedade que arca com a maior parte da conta desse processo de terceirização precarizante e adoecedora. Primeiro, porque é o Estado que financia ou subsidia grande parcela da produção, das construções, bem como das aquisições, fusões e incorporações de capital; segundo, porque o custo dos acidentes e adoecimentos do trabalhador sobrecarrega e onera o sistema público de saúde, inflando os gastos previdenciários com benefícios, pensões por morte e aposentadorias por invalidez precoce.

Não há pontos positivos, qualquer que seja a perspectiva analisada. A única saída aceitável é a rejeição do PL 4330/04, agora pelo Senado, que irá decidir sobre a matéria. O Estado perde arrecadação. O mercado perde consumidores, pois trabalhadores com salários rebaixados não compram. O cidadão sofrerá as consequências de serviços públicos terceirizados e da falta de servidores públicos concursados. Terceirização, nos termos em que propõe o PL 4330/2004, terá os efeitos já previstos, mas poderá ir muito mais além do imaginado.

Os Auditores-Fiscais do Trabalho se juntam à sociedade e à classe trabalhadora para rechaçar essa afronta ao direito ao trabalho digno.

Rosa Maria Campos Jorge

Presidente do Sinait