O tombo do Golias Guaporé

Antônio Serpa do Amaral Filho (Basinho)

Publicada em 09 de April de 2016 às 08:53:00

Wiliames Pimentel, secretário de saúde do estado,  é filho do valentão mais famoso de Porto Velho nos idos de antanho, o lendário Jacinto Pimentel! Vamos ver o que diz a tradição oral popular a respeito desse personagem do folclore cidadânico de Porto Velho!

Jacinto era um ser rude, mandão, arrogante e autoritário, dado ao costume de esbofetear seus empregados na panificadora que possuía.

Todos o temiam e a todos, com honrosas exceções, tratava a voz de capitão do mato e mania de delegado do interior, a de bater na cara do sujeito detido para averiguação.

Certo dia, numa das suas performances de janjão, o socador de desafeto, Jacinto deu um sonoro e costumeiro tapa na cara de um subalterno seu, um piauiense magricela, 1.60 metro de altura, 55 quilos, amarelo empambado e boca murcha carecida de dentes. Um típico nordestino comedor de rabo de calango a quem a sorte reservou a sina de viver vida Severina nos sertões da Amazônia.

O tapa recebido pelo pobre homem magoou mais a alma que a matéria! E na calada da subjetividade eclodiu um vendaval de sentimentos rancorosos, incendiando o espírito do sertanejo com fogo de ódio e vingança. Uma voz surda e maledicente decretara naquele instante de dor e ressentimento a pena de morte do maior Valentão da capital do Guaporé, sem que o sentenciado fosse intimado do decisium para oferecer os reclames recursais de praxe.

A Velha e Inevitável Senhora passou, então, a amolar sua lâmina ceifadora de vidas, pacientemente como uma mulher rendeira do sertão em ofício de tecelagem.

Fora só para despistar, todavia, pois o fatídico instrumento que adentrou as carnes fartas de Jacinto Pimentel haveria de ser uma lambedeira de 40 centímetros de bitola, manejada com exímia extravagância pelo fazedor de pão nosso de cada dia, naquele dia fazedor  de cadáver de grande monta. E assim fez tombar 130 quilos de Jacinto Pimentel rente à frieza do chão batido daquele boteco que costumava frequentar nas imediações do Mercadinho do Quilômetro Um.

Antes do seu definitivo encontro com o Barqueiro de Dante Alighieri, Jacinto teve justos 60 segundos para tentar entender o que estava acontecendo e igual tempo para expressar, com olhos esbugalhados de pavor e indignação, sua última ira.

Em relâmpago, fez a retrospectiva a que todos têm direito antes da partida e tomou assento na barcaça rumo à grande travessia.

Como diria Chico Buarque de Hollanda, a cidade apavorada se quedou paralisada pronta pra virar geleia!

Mas já não havia nem Zepellim gigantenem um seu Comandante capaz de fazer o Amarelo Empambado mudar de ideia...

Morria assim Jacinto Pimentel, que se foi pro céu não se sabe. Há quem diga que o ataúde foi conviver com barrabás, lá no quinto dos infernos, em louvor a Satanás!!!

Carrego na lembrança a imagem trágica do corpo de Jacinto Pimentel chegando a sua casa na carroceria de um caminhão de transportar tijolo das olarias. Era um gigante adormecido e ensanguentado, talvez mais temeroso morto que vivo, com as gorduras a mostra, saindo pelas bordas dos sulcos profundos provocados pela meia dúzia de facadas desfechadas em sua barriga protuberante por aquele que se revelou ser o verdadeiro valentão da estória. Mesmo abatido, ele metia medo na gente, pois morrera o homem, mas o mito não morre uma vez só, porque sete vidas ele tem no imaginário do povo que o cultiva.

No ideal de justiça da provinciana Porto Velho de João Barril, o Amarelo Empambado encarnava a figura bíblica de Davi, enquanto Jacinto Pimentel representava o gigante Golias! A dicotomia semeada pelo cristianismo como alicerce de um dogma de fé fundamental, a existência do supremo Bem e da plenitude do Mal, perfaz como iminência parda toda moldura de sonhos e aspirações do imaginário popular e sua sede de justiça!