Palestrante discute conceitos na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro

O advogado deu ênfase a três temas sobre essa figura penal: conceito de ocultação e dissimulação, crimes antecedentes (por exemplo, o crime contra a ordem tributária) e lavagem de dinheiro versus exercício da advocacia.

Publicada em 04 de September de 2015 às 17:07:00

Lavagem de dinheiro na interpretação dos tribunais superiores foi o tema apresentado pelo advogado Pierpaolo Cruz Bottini no terceiro painel do Seminário Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Crime Organizado, evento realizado nesta quarta e quinta-feira (2 e 3) no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O palestrante alertou que o assunto, apesar de sua importância, não é muito discutido nos tribunais superiores. Isso porque, segundo ele, a maior parte das questões sobre a Lei de Lavagem de Dinheiro chegam ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de habeas corpus, “que não permitem grandes reflexões acerca da dogmática, dos contornos da lavagem de dinheiro”.

Novos métodos

Bottini fez uma análise contextual acerca da preocupação cada vez maior com o crime de lavagem de dinheiro, afirmando que, a partir dos anos 60, as autoridades do mundo todo perceberam a inutilidade dos mecanismos tradicionais de combate à criminalidade, como a repressão ostensiva e o encarceramento, que não desestruturavam as organizações criminosas.

“Nessas organizações, todos os seus membros são fungíveis, são substituíveis, inclusive os líderes. Portanto, a prisão não significava muita coisa”, comentou.

Por essa razão, disse ele, percebeu-se que, além dessas medidas repressivas, seriam necessários mecanismos mais inteligentes e eficazes, como o follow the money, ou seja, o dinheiro produzido por essas atividades ilícitas deveria ser identificado, perseguido e congelado para que não fosse reutilizado.

Segundo Bottini, criou-se então, em diversos países, a tipificação penal da lavagem de dinheiro, quando se tornou crime “a ocultação ou a dissimulação do dinheiro sujo”.

Intenção do agente

O advogado deu ênfase a três temas sobre essa figura penal: conceito de ocultação e dissimulação, crimes antecedentes (por exemplo, o crime contra a ordem tributária) e lavagem de dinheiro versus exercício da advocacia.

“O ato de ocultação de um bem pode ser considerado lavagem de dinheiro?”, indagou o palestrante. Para responder, ele mencionou a posição de três ministros durante o julgamento da Ação Penal 470 do STF, o caso do mensalão. Em suas razões, os três afastaram a existência do crime de lavagem, mas adotaram definições diversas do que seria ocultação e dissimulação.

Bottini disse concordar com o entendimento do ministro Teori Zavaski, para quem não basta a ocultação – é necessária a intenção. “Para que seja justificável essa pena de três a dez anos pelo crime de lavagem de dinheiro, é necessário que haja um elemento que torne a ação mais intolerável, além da ocultação. Esse elemento é, pelo menos, uma intenção de fazer, um ato que demonstre que aquele agente tem a intenção de, em algum momento posterior, reintegrar esse bem à economia formal”, disse o palestrante.

Advocacia

Bottini abordou também a reforma legislativa de 2012, que ampliou o rol de crimes antecedentes.

“Se antes só poderia haver lavagem de dinheiro diante de crimes antecedentes de um rol taxativo, restrito, a partir de 2012, qualquer dinheiro oriundo de qualquer infração penal, seja crime, seja contravenção, se for oculto e dissimulado com intenção de ser reintegrado à economia lícita, o ato será caracterizado como lavagem de dinheiro”, explicou.

No final da palestra, ele fez uma reflexão “desapaixonada e não corporativista” sobre a atuação do advogado em relação ao crime de lavagem. Segundo afirmou, em princípio, o advogado está entre os agentes que têm o dever de comunicar às autoridades operações suspeitas de lavagem de dinheiro, conforme o artigo 9º, inciso 14, da Lei de Lavagem de Dinheiro, porque ele exerce função de consultoria ou de assessoria.

Contudo, o palestrante sustentou que há um conflito entre essa lei e o Estatuto da Advocacia, que não está relacionado ao dever de sigilo – pois, segundo ele, este pode ser afastado por justa causa –, mas à inviolabilidade das informações que estão em seu escritório.
Bottini tratou ainda do recebimento de honorários oriundos do crime de lavagem. Para ele, desde que não haja ocultação, esses honorários não caracterizam o mesmo crime, mas podem caracterizar outros, como a receptação.