Prefeitura dá prosseguimento à licitação cheia de suspeitas

Imprensa acertou em cheio ao antecipar o nome da empresa que lidera consórcio que deverá ser o vencedor.

Publicada em 24 de June de 2016 às 13:41:00

Walbran Junior 

Apesar de toda a suspeita de direcionamento e favorecimento no processo de licitação para a escolha da nova empresa responsável pela limpeza urbana de Porto Velho, a Prefeitura de Porto Velho  ignorou as denúncias e os pedidos de impugnação e deu continuidade ao processo licitatório, cuja primeira fase, da habilitação das concorrentes, ocorreu na segunda-feira (20).

No último fim de semana, jornais eletrônicos, além de uma nota cifrada publicada no jornal impresso Diário da Amazônia, alertavam para a formação de um consórcio que seria o vencedor da licitação, liderado pela empresa capixaba Forte Ambiental Eireli. Por enquanto, tudo o que foi denunciado tem acontecido. Na abertura dos envelopes da documentação apareceu o termo de constituição do consórcio com a também capixaba Marca Construtora e Serviços Ltda, empresa que até há pouco tempo estava proibida pelo Ministério Público de Contas do Espírito Santo de contratar com o serviço público e que, por várias outras, merece um capítulo à parte.

A formação do consórcio contém tópicos estranhos. Um deles sugere uma contradição participativa de improvável execução. Na cláusula terceira do termo constitutivo, a Marca Construtora e Serviços Ltda representa 90% do objeto do contrato, mas a Forte Ambiental, com apenas 10%, figura como líder. Embora em seu site institucional a Forte Ambiental liste entre sua carteira de clientes as prefeituras de Piúma, Cariacica, Guarapari, Viana e Anchieta, na licitação em andamento o capital social da empresa não atinge os 5% mínimos dos R$ 59 milhões do valor global do contrato. Daí, a necessidade de buscar a formação do consórcio, que concorre sob o nome de FM Serviços Ambientais.  

Mais adiante, na cláusula sexta, as partes se comprometem em não alterar a composição do consórcio sem a autorização da prefeitura, “exceto na hipótese de as partes virem a se fundir numa só”. O trecho parece se encaixar com precisão à parte do edital lançado pela prefeitura, no qual a administração municipal, mesmo sendo profunda sabedora da quantidade de resíduos (lixo) produzido diariamente pelos moradores da capital, subdimensionou quase à metade o descarte desses resíduos. Segundo planilhas de controle de pesagem da própria prefeitura, a produção diária de lixo e outros resíduos oscila entre 500 e 600 toneladas, entretanto, no edital da concorrência pública, a prefeitura estima que a produção diária seja de 300 toneladas por dia.

Seria esse um dos sinais para autorizar o consórcio não só a fazer alteração na composição, como também postular logo nos primeiros meses o direito a termo aditivo para compensar as despesas que naturalmente serão bem maiores. A diferença de 200 toneladas diárias entre o que é efetivamente produzido e a estimativa subestimada da prefeitura acarretará uma diferença brutal.

Por trás de toda a articulação do consórcio estaria um conhecido empresário de Porto Velho, dono de uma holding que congrega cerca de 15 empresas, cuja atividade empresarial teve início no ramo de concessionária de carros e acabou se expandindo por vários outros setores. A prestação de serviços na área pública tornou-se um grande negócio.

Antes da interligação da rede elétrica de Rondônia ao Sistema Integrado Nacional, ele montou uma Produtora Independente de Energia para concorrer com a Guascor, multinacional avalizada pela própria Eletrobrás. Após muita briga, conseguiu contratos para fornecer energia termelétrica nos distritos de União Bandeirantes e Triunfo, ambos em Porto Velho. Na construção das usinas do rio Madeira montou uma empresa de prestação de serviços para o transporte de trabalhadores. Com o fim das obras, articulou a formação de um consórcio para ajudar na concretização de uma das duas mais antigas promessas de campanha do prefeito Mauro Nazif: a substituição das empresas que faziam o transporte urbano. O empresário saiu-se mais uma vez vencedor. Já os usuários não tiveram a mesma sorte. Os ônibus colocados nas linhas foram, em sua maioria, sucatas que sobraram do transporte dos trabalhadores da usina de Jirau. Agora o empresário volta à cargas para realizar a segunda promessa de Nazif: excluir a atual empresa responsável pela limpeza urbana de Porto Velho.

Há muitos questionamentos a serem respondidos. Ontem, por exemplo, o Ministério Público de Contas de Vitória (ES) pediu a suspensão imediata de uma concorrência semelhante, visando a contratação de empresa ou consórcio de empresas para a execução de serviços de limpeza pública, de implantação e de manutenção de áreas verdes no município. O valor global estimado da contratação é de R$ 312.203.912,46. Embora o valor seja mais de cinco vezes o oferecido pela prefeitura de Porto Velho (R$ 59 milhões), lá, onde a Forte Ambiental e a Marca Construtora mantêm suas sedes e equipamentos, ambas abriram mão de concorrer quer seja sós ou consorciadas.

O MPC apontou diversas irregularidades no edital, uma das quais poderia se aplicar ao processo de Porto Velho. O serviço de limpeza pública deve ser caracterizado como um serviço público essencial. Por enquadrar-se nesse tipo de serviço, com prestação efetiva e contínua, não pode haver interrupção ou paralisação da coleta de lixo, sob pena de se infringir a qualidade de vida do cidadão.

Para que isso aconteça, o edital deve exigir e as empresas concorrentes devem garantir reserva técnica de trabalhadores e maquinários, para que os serviços não sejam interrompidos. Por aqui não houve nem um ou outro. Isto quer dizer que caso um equipamento sofra uma avaria, a rota de coleta estará prejudicada. Para evitar que o cidadão seja prejudicado, o MPC de Vitória determinou que caso não haja tempo para a suspensão da licitação, que a prefeitura se abstenha de homologá-la até decisão final de mérito.

Por aqui, o edital foi impugnado por diversas concorrentes que fizeram dezenas de questionamentos pontuais à Comissão Permanente de Licitação. À todos eles, as respostas foram esparsas, genéricas e evasivas, transferindo eventuais irregularidades ao Tribunal de Contas que teria aprovado o edital da forma como está. Um dos principais questionamentos, que envolve diretamente os trabalhadores, diz respeito ao descumprimento de acordo da última convenção coletiva, já homologada pela Justiça do Trabalho.

No edital da prefeitura, a planilha de salários dos trabalhadores tem como referência o salário mínimo do ano passado, que era de R$ 788. Hoje o salário mínimo é de R$ 880, mas o acordo aprovado tanto pelo sindicato patronal quanto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas empresas de terceirização em geral e prestação de serviços do Estado de Rondônia e homologado pela Justiça Trabalhista, é de R$ 1,056, mais insalubridade de R$ 352, o que eleva o piso da categoria a mais de R$ 1,4 mil. Os sindicatos deverão recorrer ao Ministério Público de Contas e Ministério Público do Trabalho para que seus direitos sejam assegurados e respeitados.

O grande questionamento, porém, ainda é um mistério. Pela nova legislação, serviços como o de limpeza pública, devem ser licitados por meio de concessão para dez, vinte anos ou mais. O prefeito Mauro Nazif determinou que a concorrência seja na modalidade de prestação de serviços, pelo prazo de dois anos e fixou o preço de R$ 110 por tonelada de lixo recolhida, quando o valor normal de mercado está na casa dos R$ 150 a R$ 160 a tonelada. Que empresa séria e responsável fará todos os investimentos necessários para um retorno tão improvável?. É o que querem saber os demais concorrentes.