Prefeitura deixa projeto cultural Fina Flor do Samba entregue às moscas

Sem mesa, sem cadeiras e sem brilho, o parco público resistiu sambando no meio da rua.

Publicada em 27/06/2011 às 16:32:00


Ernesto Melo e sua troupe fazendo o samba de resistência.

O projeto cultural Ernesto Melo e a Fina Flor do Samba ficou entregue às moscas na sua última apresentação, sexta-feira passada, dia 24, no Mercado Cultural, no centro histórico de Porto Velho. Com uma perda de público estimada em pelo menos 65%, o grupo de músicos do maior e mais bem sucedido projeto cultural da capital amargou o constrangimento de se apresentar sem holofotes de iluminação artística, sem mesa, sem cadeira e sem a presença da maioria dos fiéis freqüentadores que prestigiam semanalmente o espetáculo musical. Mesmo assim, os sambistas assumiram a postura de combatentes da arte e tocaram para o mirrado e boquiaberto público como se estivessem numa verdadeira trincheira da resistência cultural. O projeto nasceu há quase dois anos na calçada do Bar do Zizi e tem por líder o cantor e compositor Ernesto Melo, conhecido como “o Poeta da Cidade” por suas composições descritivas e citativas de pessoas e lugares deste município. As apresentações acontecem toda sexta-feira e têm atraído, mensalmente, cerca de três mil e duzentas pessoas, inclusive muitos turistas em passagem pela capital do Estado de Rondônia. Antes da crise que desaguou no abandono dos projetos culturais, com refinado repertório da Final Flor do Samba, o Mercado Cultural vinha funcionando como uma espécie de Bairro da Lapa dos portovelhenses. Outros dois projetos culturais estão ameaçados pela crise administrativa: a Seresta Cultural, que acontece toda quinta-feira, e a Roda de Samba de Beto César, aos sábados, onde se apresentam bambas do naipe de Bubu e Norman Jonhson, dentre outros.


A falta de estrutura que deixou os sambistas da Fina Flor do Samba às escuras e entregues à própria sorte deve-se à ação fiscalizatória realizada dias antes pela Semusb e à blitz imposta pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Turismo que apreendeu jogos de mesa e cadeira, freezer, instrumentos de percussão e uma bateria completa, utilizada para acompanhamento dos músicos que participam da Seresta Cultural às quintas-feiras. Segundo Miriam Saldanha, titular da secretaria que fez a apreensão dos materiais, os permissionários vinham praticando diversas irregularidades dentro do Mercado Cultural, transformando os camarins e outros ambientes disponíveis em verdadeiros depósitos particulares de apetrechos utilitários. Ainda segundo Miriam, antes do arresto dos bens e da notificação dos permissionários, a Secretaria de Desenvolvimento Social promoveu uma reunião com os micro-empresários e os orientou e alertou para as diversas irregularidades praticadas por eles dentro do Mercado Cultural.

O fato é que vários órgãos da administração municipal atuaram conjuntamente no âmbito do Mercado Cultural para criar essa dramática situação para o setor cultural: a Secretaria Municipal de Serviços Básicos notificou os permissionários, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Turismo promoveu a blitz e o arrastão de bens utilitários, enquanto a Fundação Cultural Iaripuna tem a incumbência fomentar e apoiar os eventos e projetos artísticos do Mercado Cultural. Numa espécie de guerra PT verso PT, essas agências vem tomando posturas administrativas unilaterais que parece não primar apenas pela observação da lei, mas visam principalmente desencadear uma batalha política nos bastidores da disputa por cargos e posições, deixando os permissionários, com ou sem práticas irregulares, à mercê da guerra pelo poder. Segundo informou Heitor Almeida, funcionário da prefeitura e coordenador do projeto Quinta da Seresta, a vice-presidente da Fundação Cultural Iaripuna, Berenice Simão, tem declarado em reuniões de trabalho da instituição que os projetos Fina Flor do Samba e Seresta Cultural precisam ser extintos da agenda do Mercado Cultural para dar lugar a outros projetos artísticos. Convidado pelo jornalista Lúcio Albuquerque e outros promotores culturais para dar explicações sobre os fatos que desastrosamente vêm prejudicando os melhores projetos culturais da cidade, Altair dos Santos, o popular Tatá, presidente da Fundação Cultural, ainda não se manifestou. Tatá, numa demonstração de que há atrito entre as diversas agências da administração petista, e talvez até a fritura do seu cargo por correligionário seus, pagou do próprio bolso a quantia de 270 reais, referente à multa imposta pelo Departamento de Postura para liberar uma bateria e instrumentos de percussão apreendidos durante o arrastão do aparelho repressivo municipal.

Enquanto isso, Alcimar Francisco Casal, o Zizi, pede a intervenção do prefeito Roberto Sobrinho e diz que as exigências impostas pela administração municipal aos permissionários transformarão o Mercado Cultural num espaço morto. Veja na íntegra o manifesto.

MANIFESTO DO BAR DO ZIZI AO PREFEITO ROBERTO SOBRINHO

Senhor Prefeito,

Construímos uma história de muita luta em Porto Velho. Sempre ordeiramente e pagando nossos impostos em dia. O senhor sabe disso.

Através de nosso esforço, evitamos que a especulação imobiliária transformasse o que restou do Mercado Municipal em mais um prédio comercial, fato este que impediria a construção, na sua gestão, do atual Mercado Cultural, local onde se desenvolvem as maiores manifestações artísticas e culturais de nossa cidade. Na nova concepção do Mercado Cultural, não foi previsto espaço para que guardássemos nossos estoques, geleiras, além das mesas e cadeiras com as quais recebemos as pessoas que assistem aos espetáculos apresentados.

Como alternativa, passamos a utilizar a sala junto ao banheiro masculino que originalmente, segundo informações da Semdestur, seriam utilizadas como camarins. Estas salas não possuem condições para tal, tendo em vista que não dispõem de nenhum móvel, sejam cadeiras, mesas, araras, espelhos ou qualquer refrigeração. Nestes locais, estamos guardando apenas as mesas e cadeiras de nossa propriedade, que são poucas. A grande maioria são alugadas e recolhidas no dia seguinte aos dias de cada evento. Acontece, senhor Prefeito, que recebemos uma notificação da Semusb, dando-nos prazo de 08 dias, que vence dia 21/06, no sentido de que não mais poderíamos utilizar estas salas para guardar nossos pertences. Além disso, todas as mesas e cadeiras utilizadas nos eventos deverão ser retiradas do mercado, no final do espetáculo e que também não poderemos mais utilizar geleiras ou empilhar bebidas ou outras mercadorias fora dos limites do balcão. Como deveremos proceder, então?

Quem faz a locação de mesas e cadeiras não as recolhe pela madrugada. Sem as geleiras não poderemos mais vender bebidas em quantidade suficiente para atender aos expectadores.

Sem mesas e cadeiras, não haverão mais as apresentações, a maioria das quais criadas e apresentadas pela Prefeitura através da Fundação Yaripuna e também as de iniciativa privada, que sempre contaram com nosso total apoio, inclusive com pagamento de cachês aos músicos. Nestes dias, temos que montar uma estrutura física e humana extra para bem receber os freqüentadores do local. Assim, permanecendo estas exigências, o espaço criado pela prefeitura, onde famílias e pessoas de todas as partes do Brasil convivem harmoniosamente e no qual seu nome tem sido lembrado a cada show e levado para a todo o Brasil pelas tevês Record e Comunitária, se transformará em um espaço morto e se constituirá em motivo de reclamações e má propaganda de sua administração.

Caso não haja um reposicionamento dos órgãos competentes, permitindo que possamos continuar a usar a sala antes mencionada, não teremos a mínima condição de prestar um serviço de qualidade para tantas pessoas.

Pelo exposto, solicitamos sua intervenção junto à Semusb e Semdestur, no sentido de voltarem atrás desta decisão, pela qual o Bar do Zizi, Café com Arte, músicos em geral e freqüentadores do local ficarão muito agradecidos.


Bar do Zizi
Alcimar Francisco do Casal