RONDÔNIA: 10 ANOS SEM APOENA MEIRELES

Josélia Gomes Neves/ Cristovão Teixeira Abrantes

Publicada em 31 de October de 2014 às 17:26:00

[…]. Eu prefiro morrer lutando ao lado dos índios em defesa de suas terras e seus direitos do que viver para amanhã vê-los reduzidos a mendigos em suas terras. Apoena Meirelles

Na noite de 9 de outubro de 2004 o Brasil perdeu um dos maiores indigenistas brasileiros, o sertanista Apoena Meireles, na época com 55 anos, referência significativa de trabalho e luta junto aos Povos Indígenas do Brasil - a face respeitosa do branco, do outro, enfim, do estado brasileiro para com a diferença indígena conforme síntese de Betty Mindlin e Mauro Leonel (2007) expressos no belo texto: Apoena Meirelles 1949-2004 - uma grande perda frente à lei das mineradoras, em dois momentos do indigenismo.

As aproximações de Apoena com os índios é marcada a partir de sua autobiografia: seu nascimento se deu em uma aldeia indígena no Mato Grosso onde seu pai, o respeitado Francisco Meireles atuava; seu nome, na língua do Povo Xavante significa, "homem que enxerga longe", homenagem a uma grande liderança desta etnia de acordo com Lilian Newland, organizadora do livro com mesmo título publicado em 2007 em parceria com Aguinaldo Araújo Ramos.

No ano de 2004, Apoena Meireles conforme a mídia local, foi alvejado com três tiros de revólver, numa provável tentativa de assalto, que provocaram sua morte quando saía de um caixa eletrônico do Banco do Brasil, em Porto Velho, Rondônia. Seu assassino tinha 17 anos, foi preso, mas conseguiu fugir. Em 2008, a Folha de Rondônia deu notícias dele, estava com 21 anos. Este fato repercutiu e provocou constrangimento junto ao movimento indígena, indigenista e ao movimento da criança e do adolescente considerando as complexas temáticas aí envolvidas.

O assassinato de Apoena embora considerado como latrocínio – roubo acompanhado de morte – ainda é visto como possível crime de encomenda, em função de duas razões: a desconfiança se ancora em elementos da própria história de Rondônia, cujos registros evidenciam eventos de pistolagem traduzidos em eternos casos sem solução, materializado na clássica pergunta local: quem matou Olavo Pires? E articulado ao primeiro motivo, em função de que Apoena era o coordenador da "Operação Roosevelt", implantada em setembro de 2004 como medida decorrente do conflito envolvendo 29 garimpeiros em Espigão do Oeste, cujo objetivo era reduzir as tensões no território Cinta Larga assegurando a integridade dos índios a partir da proibição de acesso neste espaço rico em minérios com destaque para as jazidas de diamantes, além de estudar mecanismos de regulamentação de exploração mineral nas Terras Indígenas, expresso no PL 1610/1991.

Apoena Meireles foi um servidor público no melhor cumprimento do termo. Dentre outros trabalhos, destacou-se no estabelecimento de contatos com os Suruí (1969), Uru Eu Au Au (1981) em Rondônia, além dos Zoró do Mato Grosso(1977) e Cinta Larga (1978) dos dois estados. Em conversa com alguns indígenas eles reclamam do tratamento que recebem atualmente por funcionários públicos dos órgãos que atuam especificamente com as etnias, relatando a distancia entre a prática e atuação de servidores como Apoena e Francisco Meireles e o pessoal da atualidade, que pouco dialogam com eles.

Como chefe da FUNAI – Fundação Nacional do Índio teve coragem para enfrentar o poderio missionário em 1981 nas aldeias. Apoiou a decisão do Povo Gavião Ikolen de Ji-Paraná ao providenciar a retirada dos religiosos protestantes da área indígena, após a divisão interna provocada pela realização da festa tradicional de 1978.

Foi presença efetiva na defesa das sociedades indígenas praticamente recém contatadas em Rondônia que do dia para a noite viram seus territórios tradicionais serem invadidos sem o tempo necessário para compreenderem as razões deste processo, conforme documenta Edilson Martins, no livro, “Nossos índios, nossos mortos”: “Posto Indígena Rio Roosevelt-RO, o sertanista Apoena Meireles está dedicado a difícil tarefa de convencer 200 índios Suruí de que – embora cercados por dois mil posseiros vindos do sul, armados e treinados em anos de invasões de terra - eles devem esperar por alguma coisa que mal podem compreender: a FUNAI, o INCRA, a Polícia Federal e sua justiça”. (1978, p. 189).

A atuação de Apoena pode ser conferida no incrível documentário ”Na trilha dos Uru Eu Wau Wau” produzido por Adrian Cowell (1990), um dos audiovisuais que compõe a série A década da destruição. Registra o conflito entre o seringueiro Francisco Prestes e os Uru-Eu-Wau-Wau. Na ocasião, lutava apesar das precárias condições da FUNAI na dura tarefa de proteger os índios dos conflitos fundiários ocasionados pelo avanço das frentes de migração e depois dos preconceitos.

O sertanista foi enterrado no Rio de Janeiro com a presença daqueles que mais defendeu em toda a sua vida, os índios. As homenagens que marcaram o seu funeral, na ocasião protagonizado pelos Xavante, seguem Brasil a fora, seja por meio de realização de festa tradicional feita para ele como o Mapimaí dos Paiter Suruí, povo que ajudou a contactar em 1969 ou dos vários Apoenas da atualidade – crianças e adolescentes indígenas, que com seus nomes materializam a presença do indigenista nas aldeias de Rondônia e Mato Grosso.