Uma cidade inacabada - Professor Nazareno*

Há nessa minha cidade uma Assembleia Legislativa. É uma espécie de circo às avessas, já que faz todos nós de palhaços.

Publicada em 03/12/2012 às 12:39:00

Comparada a muitas outras cidades do Brasil como, por exemplo, Londrina e Maringá no Paraná ou Caxias do Sul no Rio Grande do Sul e que apresentam uma boa estrutura urbana, limpeza e planejamento urbanístico decente, apesar de serem muito mais jovens, a minha cidade é velha e acabada. Parece um lugar fantasma. Tem quase um século de existência, e por isso mesmo é um município quase cem anos. E essa característica, a ausência do órgão excretor, é vista diariamente em suas sujas e imundas ruas. Porém, o seu mau cheiro característico, o trânsito caótico, a desorganização, a falta de saneamento básico e esgotos, a violência, dentre outras mazelas, estão perdendo espaço para uma nova e arrojada marca registrada: o acúmulo de obras inacabadas que campeiam por todos os bairros e ruas. Esse verdadeiro descaso verificado tanto na área pública quanto na particular enfeia ainda mais a já deplorável paisagem local.

Como em nenhum outro lugar do mundo, um Shopping Center abandonado há anos e sem data para ser terminado tem na minha cidade. Servindo ninguém sabe para quê, está lá ele no meio do mato e do lixo sendo esconderijo para marginais só que está estrategicamente localizado bem na porta da frente do meu lugar de morada. Parece até dizendo para os poucos visitantes que aqui é a terra das obras inacabadas. Como é uma cidade horizontal, edifícios de apartamentos devem ter uns três ou quatro em minha cidade. Só que metade deles está ainda por terminar. Ficam esperando talvez compradores que nunca chegarão. Não tem rodoviária nova na minha cidade, mas existe um projeto de uma que vão começar e terminar ninguém sabe quando. Teatro estadual até quem tem um, mas está inacabado, assim como toda a estrutura que abrigará a administração do Estado. Tiveram data só para ser iniciados e esperam, pacientes, seu término.

Mesmo sem ter importância nenhuma, a minha cidade tem uma linda e maravilhosa ponte, só que inacabada também. Conhecida como “aquela que ligará o nada a coisa alguma”, já gastaram quase 300 milhões de reais e, para não perder o ritmo das coisas, já anunciaram que será entregue com pelo menos nove meses de atraso. Como a população e até alguns jornalistas sobreviverão sem ver esta obra servindo à população? Teremos que esperar mais um ano para comer farinha de mandioca subsidiada? Como dizer aos nossos parentes distantes que “uma das mais importantes obras do século” ainda não está em pleno funcionamento? E para quê dizer que na minha cidade existem viadutos inacabados se todo mundo sabe disto? Mas é preciso dizer que tem anel viário na minha cidade, só que, também inacabado. Dizem que fará uma volta enorme e depois terminará bem no meio da cidade. Incrível, não? Essa minha cidade!

Há nessa minha cidade uma Assembleia Legislativa. É uma espécie de circo às avessas, já que faz todos nós de palhaços. Funciona provisoriamente num lugar ermo, mas a sua nova sede já está sendo construída há anos num lugar onde havia um circo de verdade e, obviamente, não tem data para ser concluída. Quem não se lembra das antigas escolas técnicas federais? Aqui nós temos o IFRO, que está sendo construído há vários anos na zona norte da cidade. Tem alunos, direção, professores, processos seletivos e tudo, mas quando estará pronto, ninguém sabe nem dá notícia. Até o estádio de futebol da minha cidade, que muitos juram que será usado na próxima Copa do Mundo, teve sua derrubada adiada várias vezes: qualquer dia o muro cai matando várias pessoas e a ideia absurda de ser sub-sede de uma Copa. Universidades públicas não existem na minha cidade. Na verdade tem uma só, que apesar de ser pública se parece com uma privada e está sempre em construção. No meu torrão tem vários açougues que funcionam como hospitais públicos, já hospitais públicos são prometidos todos os dias pelas autoridades, mas nunca aparecem. Dizem até que um dia será construído, não se sabe onde, um tal de espaço multi-eventos. E assim, minha inacabada cidade vai levando a sua inacabada e inútil vida.


*É Professor em Porto Velho.