O verdadeiro e necessário ajuste fiscal - por Edilson Lôbo

O ajuste fiscal brasileiro, não pode ser entendido, sem as suas devidas conexões com o seu caráter endógeno...

Publicada em 27 de October de 2016 às 10:03:00

Um dos graves problemas da população brasileira, é a desinformação, o grande desconhecimento, a visão estanque das coisas, departamentalizadas, fragmentada, sem a noção de totalidade, e sem a devida profundidade nos grandes temas nacionais.

E Isto, não é só privilégio dos iletrados, na academia, sem nenhum exagero, há uma flagrante  aridez de conhecimentos. O pensamento acadêmico, ficou refém  de uma estrutura produtora de conhecimentos, imposta pelos órgãos de fomentos, forjados no caráter meramente produtivista.

E haja a academia a produzir papers, de preferência nas revistas estrangeiras  especializadas, garantia de uma boa pontuação no Lattes, sem nenhum compromisso e ou conectividade, com a nossa realidade concreta.

Somos meros papagaios de pirata, servindo de mão-de-obra barata, nas franjas do capital  periférico, a serviço de determinados centros de saberes, que ficam  no coração do sistema capitalista mundial, de onde são irradiadas as principais decisões do sistema mundo. Como bem frisa  Onildo Ouriques, o professor das universidades brasileira, sem nenhum exagero, não deve nada em termos de alienação do seu trabalho, ao trabalhador da fábrica. Talvez até este, tenha maior consciência do seu papel nessa complexa engrenagem no que tange a relações de poder.

Falta todo um debate , com consciência,  com sólidas informações, com clara percepção do que acontece ao nível do econômico, do político e principalmente do do social.

O ajuste fiscal brasileiro, não pode ser entendido, sem as suas devidas conexões com o seu caráter endógeno, aliado aos aspectos exógenos, dentro de macroestruturas, com os seus respectivos rebatimentos nas dimensões econômicas, políticas e sociais.

É um tema, que impõe uma discussão ampla, não apenas restrita aos gabinetes, com as suas pautas rígidas, suas planilhas de cálculos, com um suposto caráter eminentemente técnico. Nada mais longe da realidade palpável. O que está sendo levado em conta a rigor nessa proposta de ajuste, são os grandes interesses econômicos e financeiros. O econômico se sobrepondo aos aspectos sociais.

Num País com profundas desigualdades como o nosso,  um brutal processo de exclusão, em que os desníveis salariais chegam a cifras absurdas, com uma concentração de renda pouco comparável aos países mais miseráveis do mundo, os cabeças de planilhas, como classifica Luis Nassif, muitos tecnocratas  da economia brasileira, não podem pensar simplesmente em números, em estatísticas., em modelos econométricos rígidos. Para além desse cálculo frio, existem seres humanos extremamente necessitados das políticas do Estado, com os seus corações pulsando, muitas das vezes em agonia.

Nessa perspectiva, forja-se uma narrativa de terra arrasada. Se o ajuste fiscal não for efetivado, face os exorbitantes gastos públicos, suplantando e muito o que o Estado arrecada, será catastrófico,  o colapso da nossa economia. Nada mais enganador e falso. Basta uma rápida consideração em três aspectos do que poderia se converter em recursos para investimentos ou custeio, em setores mais prementes da sociedade.

1 – Gastos com a dívida pública brasileira;

2 – Desoneração, incentivos financeiros e fiscais a setores da economia;

3 – Sonegação de impostos pelos mais abastados;

4 – Má alocação e aplicação de recursos.

Existem outros aspectos, mas consideremos apenas estes. Numa soma rápida, chegamos fácil a cifras equivalente a um trilhão e meio ou mais de reais de gastos com esses movimentos ao ano.

Agora, o que convém perguntar ao governo de plantão, é o seguinte, porque os diversos atores que compõem esses setores , cujos gastos astronômicos, principalmente os referentes a dívida interna, não pondem ser convidados ao sacrifício? Porque, são justamente os setores mais vitais, mais necessários e fundamentais para a consolidação da base da nossa pirâmide social, que devem ser mais penalizados, cujos montantes dos recursos necessários para fazer frente às suas demandas, comparados com o conjunto mencionado anteriormente, podemos dizer que se constituem relativamente, em valores basicamente irrisórios?

A resposta, tem a ver, com as escolhas e os interesses que estão em pauta. Há uma grande escamoteação das verdadeiras intenções nesse jogo, a começar pela escolha dos presidentes do Banco Central. Não foi um mero acaso recair sobre figurinhas carimbadas como o  de Levy no, governo Dilma e Meireles, no interinato de Temer.

São pessoas que conhecem e representam muito bem o setor financeiro, e rezam pela cartilha que impõe a austeridade dos gastos público, não como uma política que venha ao encontro dos interesses do bem estar social, da saúde do Estado, mas dos grandes interesses do capital.

É a lógica do Estado mínimo. Mas um Estado mínimo, apenas no que tange a cortes nas áreas sociais, mas  gigante, em relação aos montantes que devem ser arrecadados para pagamento de uma dívida que não cessa, mas ao contrário, continua alimentando  a ciranda financeira, e asfixiando cada vez mais a economia brasileira.

Qualquer economista bem intencionado, sem vínculos de interesses com grupos econômicos e partidários, e minimamente conhecedor dos agregados  macroeconômicos, sabe que os juros altos supostamente para combater a inflação, a política cambial, com vistas ao famigerado superávit primário, cumprem uma função de transferência de renda. Com certeza essas transferências não vão na perspectiva de convergir para os setores cuja a preocupação seja o combate às desigualdades sociais, ou a promoção de políticas para a área de saúde, educação e tantas outras de igual importância.

É óbvio que na conjuntura atual que estamos atravessando, ninguém em sã consciência, pode ser contrário a um rigor nas contas do governo. Mas é necessário, que os instrumentos e mecanismos colocados à disposição no combate aos gastos, para o devido ajuste entre receita e despesas, devam ser a resultante de um debate honesto, transparente e na profundidade que a complexidade do tema impõe. Não pode ser fruto de uma decisão apressada, da pressão,  da chantagem e da manipulação do governo,  que induz a imensa população do País, a embarcar numa narrativa absolutamente falaciosa.

Em primeiro lugar, é fundamental entendermos,  que o grande problema da nossa crise econômica, não é uma questão fiscal, mas sim financeira.

Por segundo, se o ajuste vier na perspectiva  de uma medida justa, em que todos, e principalmente aos que mais podem , nesse caso os banqueiros, os grandes industriais, o grande latifúndio, os mega prestadores  de serviços e do comércio, não nos furtaremos.

Por terceiro,  medidas a longo prazo, no combate aos altos juros, à inflação, na implementação do ajuste cambial no que tange às políticas macroeconômicas;  imediata negociação para uma revisão da nossa dívida pública; combate firme à sonegação fiscal, à corrupção sistêmica, ao desperdício , à má alocação dos recursos públicos; tomada de decisão  através de instrumentos legais, contra todo tipo abusivo, no tocante à remuneração do servidor de carreira da área federal, podendo ser extensivo aos estados e municípios.

Tais medidas, se realmente aplicadas, lograriam muito mais êxito, e certamente proporcionariam um aporte de recurso bem mais significativos para numa perspectiva de longo prazo, promover de verdade, maiores níveis de investimentos, nos setores mais prioritários da sociedade brasileira.