Professor condenado por curandeirismo e assédio sexual não consegue absolvição no TJRO

O preço das consultas variava entre R$50,00 e R$100,00. Esse valor aumentava quando o acusado fazia o tratamento do paciente, caso de uma senhora que pagou a quantia de R$200,00.

Publicada em 18 de July de 2015 às 11:46:00

Um professor de história, condenado em primeiro grau pela prática dos crimes de assédio sexual contra duas adolescentes e curandeirismo, não conseguiu absolvição, com recurso de apelação criminal, na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. O professor Pedro Caetano da Silva foi condenado a 4 anos e um mês pelo crime de assédio sexual e a nove meses de detenção, por curandeirismo. A decisão colegiada, nos termos do voto do relatora, desembargadora Ivanira Feitosa Borges, manteve a sentença condenatória da Juiza de Direito da 2ª Vara Genérica da Comarca de Cerejeiras, Roberta Cristina Garcia Macedo.

O professor, inconformado com as condenações de primeiro grau, ingressou com recurso de apelação criminal para o Tribunal de Justiça, alegando em sua defesa a incompetência de ser julgado pelo juízo comum em razão dos crimes serem de menor potencial ofensivo e que, por isso, deveria ser julgado pelo juizado especial. Ele também negou as acusações de assédio sexual e curandeirismo e pediu sua absolvição por insuficiência de provas.

Compentência

De acordo com o voto da relatora, a defesa do acusado não tem razão com relação à incompetência da vara criminal comum, uma uma vez que as penas somadas ficam superior a dois anos de detenção, o que torna a vara criminal comum competente para o julgar o caso.

Assédio

Consta na decisão colegiada que, no município de Pimenteiras, sob a jurisdição da Comarca de Cerejeiras, duas irmãs, adolescentes, trabalhavam na residência do acusado, assim como estudavam na escola em que o acusado lecionava. Aproveitando-se do poder que tinha sobre as irmãs, na sua residência como patrão e na escola como professor, no mês de janeiro de 2013, o réu ofereceu presentes como computador e proferia palavras obscenas como sobre as dimensões de seu órgão genital às menores. Como estas não demonstraram interesse pelo professor historiador, ele passou a ameaçá-las, inclusive de morte.

Para a relatora, embora Pedro Caetano da Silva negue as acusações, o conjunto de provas contido no processo judicial é farto em apontá-lo como autor do assédio sexual praticado contra as vítimas, o qual, aproveitando-se da sua condição de superior hierárquico, na condição de professor e empregador das adolescentes, e com intuito de obter favorecimento sexual, efetivamente assediava as adolescentes, inclusive deixou profundos abalos psicológicos às vítimas.

O que é e como ocorre o assédio sexual

De acordo com o voto da relatora, “o assédio sexual caracteriza-se pelo comportamento importuno de alguém, com o objetivo de obter favores de natureza sexual, abusando da relação de autoridade, inerente ao exercício do cargo ou função, consumando-se no momento em que ocorrem os atos que importem em constrangimento para a vítima, não havendo necessidade que esta venha a praticar os atos que impliquem vantagem ou o favorecimento sexual exigido pelo agente que, se vierem ocorrer, serão mero exaurimento do delito.”

Curandeirismo

Além do crime de assédio sexual, ficou comprovado também nos autos processuais que o professor Pedro Caetano da Silva atendia pessoas doentes em sua residência, e receitava-lhes medicamentos caseiros produzidos por ele. O preço das consultas variava entre R$50,00 e R$100,00. Esse valor aumentava quando o acusado fazia o tratamento do paciente, caso de uma senhora que pagou a quantia de R$200,00.

Apelação Criminal n. 0002702-37.2013.8.22.0013, julgada dia 09 de julho de 2015, publicada no Diário da Justiça estadual de  quinta-feira, 16 de julho.

ÍNTEGRA DA DECISÃO

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
1ª Câmara Criminal

Data de distribuição :21/01/2014
Data de julgamento :09/07/2015

0002702-37.2013.8.22.0013 Apelação
Origem : 00027023720138220013 Cerejeiras/RO (2ª Vara)
Apelante : Pedro Caetano de Oliveira
Advogado : Mário Guedes Júnior (OAB/RO 190A)
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges


EMENTA

Assédio sexual. Curandeirismo. Preliminar. Nulidade por incompetência absoluta do juízo comum. Não ocorrência. Crimes praticados em concurso material e em continuidade delitiva. Afastamento da competência do Juizado Especial. Negativa de autoria. Absolvição. Inviabilidade. Conjunto probatório harmônico. Condenação mantida.

Afasta-se a competência do Juizado Especial Criminal, quando a soma das penas máximas em abstrato dos delitos praticados em concurso material e em continuidade delitiva for superior a dois anos.

Nos crimes contra a liberdade sexual, o depoimento da vítima, harmônico e aliado aos demais elementos probatórios, é suficiente para embasar o decreto condenatório.

Comprovado pelas provas dos autos que o agente, com o objetivo de lucro e de forma habitual, diagnosticava, bem como ministrava, prescrevia ou aplicava várias substâncias para várias pessoas, com a promessa de cura de doenças, inclusive por gestos, palavras e outros meios, fica configurado o delito de curandeirismo.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, REJEITAR A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.


A desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno e o juiz José Jorge Ribeiro da Luz acompanharam o voto da relatora.


Porto Velho, 9 de julho de 2015.



DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES
RELATORA


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
1ª Câmara Criminal

Data de distribuição :21/01/2014
Data de julgamento :09/07/2015

0002702-37.2013.8.22.0013 Apelação
Origem : 00027023720138220013 Cerejeiras/RO (2ª Vara)
Apelante : Pedro Caetano de Oliveira
Advogado : Mário Guedes Júnior (OAB/RO 190A)
Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges



RELATÓRIO

Pedro Caetano da Silva recorre da sentença (fls. 188/196), prolatada pelo juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Cerejeiras/RO, que o condenou à pena de 04 anos e 01 mês de detenção, pelo crime de assédio sexual, previsto no art. 216-A, § 2º, (duas vezes) c.c. art. 69 e art. 71, todos do CP, e à pena de 09 meses de detenção e ao pagamento de 30 dias-multa, pelo crime de curandeirismo, previsto no art. 284, I, II e III e parágrafo único, do CP. Ao final foi fixado o regime semiaberto.

Em suas razões, em preliminar, a defesa alega incompetência do juízo, sob o argumento de que os delitos em discussão são de competência do Juizado Especial, por serem de menor potencial ofensivo. No mérito, pede a absolvição por insuficiência de provas (fls. 211/218).

Nas contrarrazões, o Ministério Público é pelo desprovimento do recurso (fls. 220/229).

A procuradora de Justiça Rita Maria Lima Moncks, em seu parecer, opina pelo não provimento do apelo (fls. 238/254).

É o sucinto relatório.


VOTO

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

O recurso é próprio e tempestivo, portanto, dele conheço.

1º FATO

Narra a denúncia que no mês de janeiro de 2013, em diversos horários, através de mensagem SMS, na Escola Estadual Inácio de Castro, situada na Rua Bolívia, 915, na cidade de Pimenteiras do Oeste, na comarca de Cerejeiras/RO, o apelante Pedro Caetano de Oliveira, que reside na referida escola, constrangeu as vítimas Vanessa S. A. e Chaiene S. A., menores de 18 anos, com o intuito de obter favorecimento sexual, prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego.

Apurou-se que as vítimas começaram a trabalhar para o apelante em meados de janeiro de 2013, fazendo serviços de faxina, quando começaram os elogios do apelante, dizendo que ¿eram muito bonitas e que gostaria muito de casar com uma delas".

Com o tempo o assédio começou a ocorrer também na escola onde as vítimas estudavam, e local onde o apelante trabalhava como professor de história das menores.

Para a adolescente Vanessa o apelante dizia que ela era a escolhida para ter um filho do profeta e que o profeta era ele; que seu corpo tinha uma cruz e que não podia usar vestido ou saia; bem como a via nua quando tomava banho, tendo proferido tais palavras em sala de aula.

Já em sua residência, o apelante disse para Vanessa que ela transava com outros homens e que por isso podia transar com ele que não havia problemas, e mandou via SMS: ¿seu pênis não era grande e que por isso não a machucaria e que quando transassem não haveria problema, pois ele não gozaria dentro de sua vagina¿.

Porém, quando o apelante notou não existir nenhum interesse por parte das vítimas, passou a ameaçá-las. Vanessa recebeu várias mensagens SMS dizendo: ¿Bom dia meu amor, ainda te amo, não sofra! Qualquer coisa ti acontecer por aí não sofra! Vem ser feliz nos meus braços. Jesus te ama muito filha de Deus. Meu pai Jeová ¿ Deus te ama e ele te manda um abraço; Seu pai já está sabendo que vai ter que pagar dez mil por danos morais por ter aceitado o computador aquele dia? Nossa fala ficou gravada, meu celular é a fala da resolução, grava duas horas sem problemas, até seu beijo está gravado meu advogado aconselhou; Sou osso duro de roer. Não paro estou disposto até cadeia, a tudo agora, perdi você, você nada mais importa, vou lutar, morrer ou viver, então não tem poder sobre, não paro, não paro, não paro, sou eterno; Estou com seu computador ligado lendo e vendo tudo, não vou apagar nada, tem bom gosto, muito lindo, vai na delegacia me denuncie, vai, vai, vai, vai, diz o meu crime, quero receber dez mil reais, vai¿. Em razão de abalo emocional sofrido pelo insistente assédio do apelante a vítima parou de frequentar a escola.

Enquanto a menor Chaiene ele dia que ¿via tudo¿ até que ela ¿em seu pensamento ficava com outros homens¿, dizia que ¿se não lhe desse atenção iria queimar seu celular; bem como a mataria e colocaria fogo em seu corpo¿. De acordo com Chaiene, o apelante dizia para ela e outras menores que bastava olhar para seu corpo que elas engravidariam.

Através das investigações constatou que o apelante assediou outras alunas dentro da Escola Inácio de Castro, pois na condição de professor fazia distinção na aplicação das notas para aquelas que considerava mais belas.

Assim, constatou-se que em razão das vítimas trabalharem na residência do apelante, este aproveitou-se de sua condição de patrão para assediá-las. Após, na condição de professor, passou a assediá-las na escola, sempre intimidando-as em diminuir suas notas caso não quisessem relacionarem-se com ele.

2º FATO

Em dia e horário imprecisos, na Rua Bolívia, 915, no município de Pimenteiras do Oeste, na comarca de Cerejeiras/RO, o apelante Pedro Caetano de Oliveira exerceu a prática de curandeirismo, prescrevendo, ministrando, habitualmente, substâncias, usando palavras e fazendo diagnósticos, mediante remuneração.


Extrai-se que nas diligências realizadas visando investigar os fatos narrados no 1º fato, apurou-se que o apelante fazia atendimentos de pessoas enfermas na sua residência, fazendo diagnósticos diante de sintomas apresentados, e segundo ele, orando sobre as mãos delas.

Em seguida, prescrevia e ministrava remédios caseiros de fabricação própria com promessa de curar várias doenças.

O apelante cobrava em média de R$ 50,00 a R$ 100,00 pelos seus remédios de fabricação própria, mas o valor aumentava quando era feito tratamento, como era o caso da Sra. Malvina, mencionada em um dos seus cadernos, que pagou a quantia de R$ 200,00.

Finda a instrução, sobreveio a sentença, que condenou Pedro Caetano de Oliveira, pelos crimes do art. 216-A, § 2º, (duas vezes) c.c. art. 69 e art. 71, todos do CP, e art. 284, I, II e III e parágrafo único, do CP.

DA PRELIMINAR ¿ Incompetência do Juízo

A defesa alega incompetência do Juízo Criminal Comum para processar e julgar o feito que seria da competência do Juizado Especial Criminal, em razão dos crimes de assédio sexual e curandeirismo serem de menor potencial ofensivo.

Contudo, sem razão a defesa, uma vez que somadas as penas máximas cominadas aos delitos em discussão, temos um total superior a dois anos, de modo que a Vara Criminal é, de fato, a competente para julgar o feito.

Segundo a denúncia, o apelante foi denunciado e condenado por infração aos crimes do art. 216-A, § 2º, (duas vezes) do CP, e art. 284, I, II e III e parágrafo único, do CP, em concurso material.

E, em se tratando de concurso material de crimes, as penas máximas deverão ser somadas a fim de se aferir a competência do Juizado Especial e, no caso, a soma das penas máximas (quatro anos de detenção), resulta em pena superior àquela prevista no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

Neste sentido:


[...] É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial.[...]

(STJ - HC 143500/PE, Rel. Min. Napoleão Maia Nunes Filho, DJ 27/06/11). (TJMG Apelação Criminal nº 1.0024.10.004413-0/001, Rel. Des. Renato Martins Jacob, DJ 18/08/2014).


Assim, não se vislumbrando nenhum vício capaz de levar à nulidade do feito, rejeito a preliminar suscitada, submetendo-a aos demais Pares.

DO MÉRITO

A materialidade encontra-se comprovada por meio das provas orais e documentais carreadas nos autos.

No que diz respeito a autoria, o apelante negou a prática do delito de assédio sexual praticado contra as vítimas (fl. 152).

Alegou que as vítimas foram apresentadas para ele por intermédio dos pais delas, no mês de janeiro, a fim de que as meninas pudessem trabalhar em sua casa realizando faxinas. Falou que quando passaram a trabalhar em sua residência, as adolescentes pediram para comprar materiais escolares, o que foi atendido, no entanto, com a permissão dos pais, ressaltando que a família das vítimas frequentava sua casa e ele frequentava a casa da família delas. Certo dia, as vítimas lhe pediram o valor de R$ 300,00. Na sequência, aduz que, com autorização do pai das vítimas, comprou um computador para Vanessa, sendo que Chaiene também queria, mas não pôde adquirir outro computador porque não tinha condições.

Afirmou que se desentendeu com uma das meninas, em razão dela ter utilizado seus créditos do celular, porém, elas continuaram a trabalhar para ele. O pai das adolescentes pediu para que ele transferisse um imóvel para seu nome, o que não foi feito. Certa feita, encontrou Chaiene em companhia de outros quatro alunos, fora da escola, quando eles tinham aula, tendo ido conversar e perguntar o motivo, ocasião em que ela chamou um tio que estava em um bar e relatou as acusações. Então, o tio dela passou a lhe agredir, oportunidade em que procurou a polícia e relatou as acusações de assédio que estavam sendo feitas contra ele.

Disse não se lembrar de ter enviado as mensagens para as vítimas. Quanto à mensagem que menciona a ¿cruz¿ afirma que foi sentido figurado e que trocou mensagens com as adolescentes e que ¿de repente¿ disse que amava, isto após dar conselhos. Relatou ter dito para Vanessa que quando ela completasse dezoito anos poderiam conversar e, caso ela quisesse, poderiam se casar, no entanto, para o futuro. Pagava R$ 150,00 às vítimas em troca dos serviços que elas prestavam em sua casa, e que os presentes serviam para agradá-las, em razão do zelo pelo trabalho e por entender que o valor pago mensalmente era baixo.

Arguiu que mandou mensagem sobre danos morais que cobraria em razão das acusações que estavam sendo realizadas. Ressalta que, em virtude da denúncia do tio, as vítimas passaram a fazer acusações. Afirma que conversava pouco com Chaiene, que esta tinha namorado. Era professor das vítimas na escola e o critério de avaliação não era como consta na denúncia e que não dava notas altas apenas por serem meninas. Confirmou ter interesse em Vanessa, no entanto, não naquele momento. Enquanto estava dando coisas para a família era bem tratado e, após negar o computador para a outra menor, bem como outros bens e o imóvel rural, passou a ser acusado. Negou que tenha pedido Vanessa em casamento ao pai dela, afirmando apenas que fez um elogio sobre a menor, mas não falou sobre casamento. Destacou que os pais tinham conhecimento dos presentes que foram entregues para as adolescentes.

A vítima Vanessa, por sua vez, asseverou que quando começou a trabalhar na casa do apelante com sua irmã Chaiene, percebeu que ele tinha um jeito estranho, pois, inclusive, ele passou a ter muito ciúmes, dizendo que gostava dela e que ela era a escolhida para ter um filho do ¿profeta¿. Sente muita raiva e ódio do apelante e sentia vergonha do que ele falava, chegando a chorar de raiva. Pediu para o apelante ¿tirar¿ (comprar) um computador para ir descontando de seu pagamento, o que foi feito. No entanto, o apelante queria transar com ela, mandando mensagens ameaçando e dizendo que o pênis dele não era tão grande e que não ia machucá-la, bem como usaria camisinha e não gozaria dentro dela. O apelante chorava pedindo para ela casar com ele, tendo, inclusive, pedido para seu avô deixar ele casar com ela ou com sua irmã. O apelante devolveu o computador, mas continuou lhe perseguindo, chegando a agredir um menino na escola. O apelante tinha fama de ¿macumbeiro¿ e chegou a falar dela para sua outra empregadora, ensejando em sua demissão, bem como passando a falar em bares que tinha ¿ficado¿ com ela, engravidando-a. Disse que chegou a sair da cidade para o apelante parar de lhe perseguir (fl. 144).

Relatou que quando chegava para trabalhar o apelante já estava bêbado, dizendo que era ¿profeta¿ e que ela era a escolhida para ter um filho seu e, caso permanecesse com o namorado, teria filhos aleijados e que seu irmão morreria, bem como receberia indenização de seu pai por ter aceitado o computador. Ele tentava pegar em sua mão e abraçá-la, mas não deixava. Em uma das ocasiões, o apelante disse ¿estar com espírito¿ e, em razão de sua irmã rir da situação, ele disse que esta morreria e que queimaria seu celular. O apelante mandava mensagens dizendo que via ela nua e que tinha uma cruz no corpo, não podendo usar saia. Como ele também era professor, dava notas altas para as meninas, mesmo que as respostas não estivessem corretas, bem como atribuía notas baixas para os alunos do sexo masculino. Tinha ¿nojo¿ do apelante, tendo, inclusive, parado de estudar. Ele dizia que gostava de meninas novas. Via o apelante como seu chefe, bem como seu professor, havendo uma situação hierárquica. Os outros alunos ficavam ¿tirando sarro¿ pelo fato dele ficar lhe perseguindo e não deixar outras pessoas sentarem perto dela e de sua irmã. Algumas pessoas, que se ¿consultavam¿ com o ele, aconselhavam ela a se casar com ele, mesmo contando as atitudes dele.

No mesmo sentido são as declarações da vítima Chaiene. Esclareceu que na primeira vez que foi limpar a casa do apelante, ele só lhe elogiava, não saindo de perto. Dizia que ela era moça bonita para casar com ele. Falou para ele que caso continuasse com os gracejos iria embora, porém ele continuou, ficando perto, quase encostando nela enquanto realizava os serviços de limpeza. Quando percebeu que ela não queria nada com ele, o apelante passou a assediar sua irmã Vanessa, elogiando-a, inclusive, fazendo ela chorar. No dia em que ele fez Vanessa chorar, perguntou o que tinha acontecido, tendo ele ficado nervoso e mandado todos que estavam em sua casa ir embora. Ele também ingeria bebida alcoólica e dizia que havia espíritos em seu corpo. Dizia para ela e sua irmã que engravidariam só com o olhar dele para suas barrigas. Sobre os supostos espíritos, o apelante afirmava que entrava um ¿trem¿ no corpo dele e que queria ter um filho ¿profeta¿ com ela. Ele lhe ameaçava de diminuir sua nota na matéria que lecionava. Com relação ao computador, afirma que sua irmã pediu para o apelante comprar o objeto e que ela pagaria com trabalho de limpeza. Ele não queria cobrar pelo computador, mas sua irmã não aceitou como presente, haja vista que sabia das intenções dele, tendo seu pai ordenado a devolução. Depois disso, o apelante passou a mandar mensagens para Vanessa. Asseverou que ele dizia, em tom de ameaça, que sua mãe, a qual estava grávida, perderia o filho e morreria, e dizia que sua irmã não seria feliz. Além disso, falava que caso o pai dela fizesse alguma denúncia, ele teria que lhe pagar R$ 10.000,00 e sua irmã teria que trabalhar para ele por 05 anos (fl. 144).

A adolescente Suelen afirmou que apelante lecionava as matérias de filosofia e história para sua turma. Ele falava sobre sua vida pessoal, dizendo que quem se casasse com ele teria ¿de tudo¿", o que, na sua opinião, era para ¿se aparecer¿. O apelante chegou a passar a mão dele sobre sua mão, isto quando ele estava corrigindo trabalho escolar, tendo achado estranho, ao ponto de falar para sua mãe. Ficou sabendo que ele chegava bêbado para dar aula. Ele dava nota alta para as alunas do sexo feminino e notas baixas para os alunos do sexo masculino. Soube que a direção da escola tinha conhecimento da conduta do apelante, inclusive que ele já tinha sido advertido anteriormente, e que, caso continuasse, seria demitido (fl. 144).

Angelina Penha Soares disse ter sido o próprio apelante que foi até a delegacia de polícia dizendo que havia um senhor na beira do rio com as vítimas e que houve uma briga. Segunda as vítimas, a apelante as chamou para trabalhar na casa dele e passou a mandar mensagens e praticar ¿atos de espiritismo¿. Afirma que as vítimas chegaram a dizer que o réu propôs casamento a elas e que queria ter filho (fl. 144).

Os responsáveis pela Escola Inácio de Castro, onde o apelante lecionava, confirmaram que houve denúncias contra ele, tendo, inclusive, a vítima Vanessa se afastado da escola, em razão da conduta do apelante (fl. 144).

A testemunha Ilaine Helena Huber falou que, no ambiente de trabalho não havia nada de anormal, não havendo nenhuma manifestação de alunos até o momento dos fatos em discussão, apenas a constatação do apelante ter ido embriagado até a escola em certa data, o que foi presenciado pelos alunos. Com as informações do conselho tutelar, o apelante foi advertido e a escola redobrou os cuidados com ele e as vítimas. Conversou com Vanessa, que passou a faltar as aulas, que afirmou não querer retornar para a escola em razão da atitude do professor.

Valdomiro Antônio Alves, genitor das vítimas falou que enquanto foi para Vilhena acompanhar o parto de sua esposa, soube que o apelante estava assediando suas filhas. Esclareceu que, anteriormente, ele pediu para que suas filhas trabalhassem em sua casa, tendo se comprometido a não permanecer no local, pedindo ao depoente voto de confiança, inclusive por não ter ele interesse de perder seu emprego em razão de meninas. Afirmou que ao retornar de Vilhena, o apelante foi até sua casa e pediu para casar com sua filha Vanessa, ocasião em que mandou suas filhas pararem de trabalhar para ele. Disse que as meninas e sua esposa relataram que o apelante estava lhes assediando, inclusive na escola. O apelante lhe oferecia bens, inclusive falou em colocar um imóvel rural em seu nome. Ele foi em sua residência com um computador portátil oferecendo para sua filha, apesar desta se propor a pagar pelo objeto, o que lhe deixou desconfiado, mandando devolver o computador (fl. 144).

A testemunha Marcelo Hellmann, psicólogo lotado no Fórum de Cerejeiras, afirmou que entrou em contato com o Conselho Tutelar, que foram os primeiros a ter acesso ao caso. Entrevistou as vítimas, familiares destas, responsáveis pela escola onde as menores estudam, bem como outra aluna e o apelante (fl. 144).

Afirmou em juízo que Vanessa, no início, estava revoltada com a situação, abalada e encontrava dificuldades. Ela abandonou os estudos, sofrendo constrangimentos e humilhações por parte de outros colegas da escola e da sociedade, em razão dos fatos tratados no processo. No início do acompanhamento das menores, Vanessa ainda não havia abandonado os estudos, mas apresentava muito receio de ter contato com o apelante, ficando, inclusive, reclusa na sala durante o intervalo e não no pátio com outros alunos. Na sociedade o apelante tinha posição superior, inclusive por ser conhecido por fazer curandeirismo e ser professor, sendo pessoa com muita influência. As vítimas estavam muito abaladas no primeiro momento, inclusive em razão dele continuar trabalhando, não havendo providências da direção da escola. As vítimas apresentavam as características de terem sido assediadas. As vítimas precisam de um atendimento psicológico, haja vista que ficaram expostas em razão da prisão do apelante. Caso a vítima tivesse interesse no apelante já teria dito ou demonstrado, o que não foi constatado durante os atendimentos. O apelante apresenta caraterísticas de indivíduo pedófilo.

Corroborando as declarações das testemunhas ouvidas, há o relatório psicossocial acostado às fls. 36/41.

Não se pode olvidar que há também os relatos das vítimas de que o apelante fazia menção expressamente ao ato sexual, encaminhando mensagens que se referiam aos órgãos sexuais ou ao ato sexual propriamente dito.

Nos crimes de natureza sexual a palavra da vítima possui relevante valor probatório, sobretudo quando corroborada pelo depoimento de testemunhas, como é o caso do presente feito.

Assim, não obstante a negativa do apelante, entendo que o conjunto probatório é farto em apontá-lo como autor do assédio sexual praticado contras as vítimas, em que ele, aproveitando-se da sua condição de superior hierárquico, na condição de professor e empregador das adolescentes, e com intuito de obter favorecimento sexual, efetivamente assediava Vanessa e Chaiene, tendo, inclusive, deixado profundos abalos psicológicos nas menores.

O assédio sexual caracteriza-se pelo comportamento importuno de alguém, com o objetivo de obter favores de natureza sexual, abusando da relação de autoridade ou ascendência, inerentes ao exercício do cargo ou função, consumando-se no momento em que ocorrem os atos que importem em constrangimento para a vítima, não havendo necessidade que esta venha a praticar os atos que impliquem vantagem ou o favorecimento sexual exigido pelo agente que, se vierem ocorrer, serão mero exaurimento do delito.

Logo, não há que se falar em absolvição.

Outrossim, ficou caracterizada a continuidade delitiva, em virtude do apelante ter praticado os assédios sexuais, por várias vezes, sucessivamente, pois de acordo com o depoimento das vítimas, todas as vezes que elas trabalhavam na casa, ele constrangia, ora uma das menores ora outra, evidenciando que a infração posterior deve ser havida como continuação da primeira.

Ainda, comprovada a prática de mais de um crime praticado contra vítimas diversas, além do continuado contra estas, aplicam-se cumulativamente as penas do concurso material.

Quanto ao crime de curandeirismo, muito embora o apelante também tenha negado este delito (fl. 152), sua autoria é inconteste.

O apelante alegou que apenas fazia orações para as pessoas, e que os remédios são para seu uso pessoal. Porém, disse indicar remédio para algumas pessoas, mas só fornecia para quem lhe pedia. Também faz orações em hospitais a pedido das famílias. Já se utilizou de uma formiga tocandira em uma pessoa que foi picada por abelha. Não recebia nenhum valor por suas orações e não tinha intenção de ganhar dinheiro, mas aceitava doações entre R$ 5,00 a R$ 200,00 das pessoas. Considera-se um filho de Deus, um profeta com o ¿dom do espírito santo¿.

O psicólogo Marcelo Hellmann asseverou que o apelante é conhecido por ¿O Profeta¿, tendo muita influência em razão da religião católica na região, fazendo garrafadas, tendo posição de destaque (fl. 144).

As adolescentes Vanessa e Chaiene afirmaram que na casa do apelante havia um quarto cheio de santos e na geladeira havia remédios para ele vender, inclusive ajudaram ele na produção dos medicamentos. Mesmo bêbado, o réu atendia as pessoas, dizendo que estava com espírito no corpo. O apelante também receita remédios para elas (fl. 144).

Celestino Leite Ribeiro confirmou que foi na residência do apelante para fazer uma ¿consulta¿, esclarecendo que o conhecia como professor e soube que ele rezava para as pessoas (fl. 144).

A testemunha Margarida Glória Bezerra dos Santos falou que foi até a casa do apelante, que fazia um remédio e lhe entregava, bem como passava formiga (tocandira) no seu corpo. O apelante lhe atendeu aproximadamente três vezes (fl. 144).

Registre-se que as testemunhas Celestino e Margarida foram identificadas pela polícia quando se dirigiram à casa do apelante para uma "consulta".

Ademais, foi apreendido (fl. 74) no interior da casa do apelante um caderno de anotações, nomes de doenças e de prescrições, bem como de valores.

A lei penal objetivando a proteção da saúde pública, exposta a perigo pelas condutas de curandeiros, definiu como crime, no art. 284 do CP, o exercício do curandeirismo:


Art. 284 - Exercer o curandeirismo:

I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;

II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

III - fazendo diagnósticos:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.


Assim, ficou devidamente comprovado que o apelante, com objetivo de lucro e de forma habitual, fez diagnósticos ¿consultas¿, prescreveu, ministrou ou aplicou várias substâncias para pessoas, bem como se utilizou de gestos, palavras ou qualquer outro meio, com a promessa de cura para diversos males, razão pela qual não há como absolvê-lo da prática do delito de curandeirismo.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a sentença de 1º grau.

É como voto.